Por ocasião da ordenação presbiterial de cinco diáconos da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro (FSSP), Dom Guido Pozzo, secretário da Comissão Pontifícia Ecclesia Dei, proferiu em Wigratzbad (sede do seminário da FSSP na Europa) uma importante conferência.
A FSSP é uma família religiosa de direito pontifício, fundada em 1988 por sacerdotes tradicionalistas que não quiseram seguir Dom Lefebvre após a ordenação ilícita de quatro bispos.
Dom Pozzo mostrou como as supostas rupturas com o Concílio foram exageradas pela mídia sensacionalista. Para esclarecer as questões abordadas por Dom Pozzo em sua conferência, ZENIT entrevistou o padre Alfredo Morselli, pároco em Bolonha e especialista no assunto.
ZENIT: O secretário da Comissão Ecclesia Dei proferiu sua conferência no seminário da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro. Qual o significado da escolha deste local?
Pe. Morselli: A Fraternidade Sacerdotal de São Pedro está entre os mais belos frutos do diálogo da Igreja com o mundo tradicionalista. Enquanto muitos seminários estão vazios, definitivamente a FSSP não sofre com este problema. A maior parte de seus membros não conheceu pessoalmente Dom Lefebvre. Acolhidos por bispos de maior visão e mais obedientes, deram provas de sua capacidade de se integrar às diversas realidades diocesanas. Junto a tantas outras famílias de carisma análogo, constituem a prova viva de que a paz litúrgica – ou mesmo a coexistência na Igreja das duas formas de rito romano (Missa Gregoriana e o Novus Ordo Missae) – é não apenas possível como também muito frutífera.
ZENIT: Quais foram os principais assuntos tratados na conferência?
Pe. Morselli: Dom Pozzo quis abordar dois assuntos “quentes”: a unidade e a unicidade da Igreja católica, e da Igreja católica e as religiões referente à salavação; buscou demonstrar que “a questão crucial e o ponto verdadeiramente determinante na origem da disputa, da desorientação e da confusão não está no Concílio Vaticano II nem os ensinamentos objetivos contidos em seus documentos, mas sim em uma interpretação deste ensinamento”. Ele chamou tal interpretação de uma “ideologia para-conciliar, difundida principalmente por grupos intelectuais católicos neo-modernistas e por centros midiáticos de poder mundano secular”.
ZENIT: Por que justamente estes dois temas?
Pe. Morselli: Conforme reporta o blog Missa em Latim (http://blog.messainlatino.it/), “o interesse principal deste texto é que este (...) representa uma síntese das posições dos teólogos vaticanos empenhados nos colóquios com a Fraternidade São Pio X: na prática, os esclarecimentos doutrinais sobre alguns temas controversos do Concílio que Roma se dispôs a realizar”.
ZENIT: Qual foi a contribuição de Dom Pozzo?
Pe. Morselli: Sustentou que o único caminho católico para uma solução seria constituído pela hermenêutica da continuidade.Tentarei simplificar em poucas palavras: a ideologia para-conciliar afirma: “Que ótimo, após o Concílio a Igreja mudou!”; enquanto os tradicionalistas dizem: “Que desgraça, após o Concílio tudo mudou!”. As promessas do Salvador, porém, nos garantem que a Igreja jamais mudará em sua natureza. À tentação dos tradicionalistas, hoje se responde: “Quanto à crise e aos graves erros, vocês têm razão; eles são evidentes e não se pode negá-los; mas – atenção – eles não são intrínsecos ao Concílio! Trata-se de uma crise neo-modernista – crise esta que já se esboçava antes do Concílio, com a assim chamada Nouvelle Théologie e outras aberrações nos movimentos litúrgicos – grave, mas extrínseca aos documentos do Concílio”.
ZENIT: Dom Pozzo responde às objeções de alguns Tradicionalistas?
Pe. Morselli: Dom Pozzo conhece bem todo o panorama tradicionalista: em particular, responde à hipótese segundo a qual o Concílio, sendo pastoral e não dogmático, não seria vinculante no que se refere à sua aplicação: “Seria equivocado pensar que o caráter expositivo e pastoral dos Documentos do Concílio Vaticano II não impliquem também em uma doutrina que exige o comprometimento por parte dos fiéis segundo os diversos graus de autoridade das doutrinas propostas”.
Além disso, cumpre dizer que é infalível não apenas o que é definido, mas também tudo o que é continuamente proposto pelo Magistério: por exemplo, muitos são os teólogos que consideram infalível a encíclica Humanae Vitae, ainda que isto não esteja contido em nenhuma definição no sentido estrito. Os pontos considerados “quentes” do Concílio, examinados por Dom Pozzo, são continuamente citados reapresentados pelo magistério ordinário; de modo que não podem ser considerados opcionais.
ZENIT: A conferência de Dom Pozzo pode vir a influenciar positivamente o diálogo da Santa sé com a Fraternidade São Pio X?
Pe. Morselli: É bom sinal que finalmente tenha sido conferida aos tradicionalistas e suas instâncias uma grande dignidade, ainda que nem tudo vá como o Papa desejaria. E uma vez que quem discute são pessoas e não ideias abstratas, estou certo que a sabedoria e a caridade pastoral de Bento XVI e seus colaboradores trarão grandes frutos.
A nós cumpre apenas orar, nos sacrificar e trabalhar para que isto se dê o mais breve possível.
FONTE:
ROMA, quinta-feira, 29 de julho de 2010. LIVRAR O CONCÍLIO VATICANO II DAS CONFUSÕES PÓS-CONCÍLIO. (Entrevista com Pe. Alfredo Morselli, Paróco em Bolonha). Disponível em: http://www.zenit.org/article-25653?l=portuguese