terça-feira, 17 de junho de 2014

O consumo de carne, o pecado, as heresias e os rumos do cristianismo

Por:

Eduardo Moreira

Créditos da imagem:

Rafael Vitola Brodbeck

Não é de hoje que critérios totalmente superficiais são adotados como nível máximo de santidade por grupos sectários que estão infiltrados na Igreja. Quando alguns franciscanos se viram sem seu fundador, formaram eles uma seita de fanáticos de certo caráter gnóstico que foram duramente (e com razão) combatidos pela Igreja. Eles alegavam praticamente que era impossível ter posses e ser bom católico, quando nem mesmo Deus negou o direito de propriedade. Isso é bem evidente no decálogo descrito no capítulo XX do livro do Êxodo quando Deus manda que não se roube nada do próximo. Ora, só é possível roubar algo que é propriedade de outro, portanto, Deus impede por esse mandamento que se tome a propriedade privada. Assim fica fácil perceber o caráter herético desse grupo primitivo de franciscanos que, em nome da virtude do desapego, tentaram impostar a todos os cristãos essa virtude como caráter fundamental para se ser bom católico.
            De forma análoga, o apego à saúde faz com que muitos condenem o álcool e o fumo. O uso dessas substâncias não é considerado pecado pela moral católica, o que não significa que é mandatório fumar ou beber para ser bom católico. Significa tampouco que uma pessoa possa discordar desses hábitos. Aos que assim agem, deixo a frase do grande escritor católico, Gilbert K. Chesterton:

            ˗ "Idolatria é cometida, não apenas através da criação de falsos deuses, mas também através da criação de falsos demônios, fazendo os homens terem medo de guerra ou álcool, ou das leis econômicas, quando deveriam ter medo da corrupção espiritual e da covardia."

            Com o advento do politicamente correto vêm nascendo uma enxurrada de heresias brancas pautadas no respeito humano, o que pode ser pecado mortal. Palavrões, cigarros, bebidas e até o consumo de carne vêm sendo alvos de crítica dos puritanos. Que é belo e moral querer se afastar de tudo isso, sem se afastar da verdade, não se pode negar. Aquele que deseja ser perfeito e que deseja unir-se inteiramente a Deus pode optar por desapegar de todas essas coisas e de mais tantas outras por amor ao Criador. Entretanto, não é lícito, nem belo, nem moral condenar quem faça uso de tudo o que já foi citado aqui. Tivemos santos na Igreja que eram doces e suaves, como Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face, assim como tivemos verdadeiros doutores da Igreja que não economizaram palavras duras no trato com os traidores. São Gregório Nazianzeno, por exemplo, em pleno Concílio de Constantinopla dirigiu-se a bispos traidores chamando-os de vagabundos, porcos, despudorados, falsos e oportunistas sem escrúpulos. São Jerônimo chamava seus adversários, dentre outras coisas, de asnos bípedes. São Josémaria Escrivá, fundador do Opus Dei, convidava as pessoas a aprenderem o apostolado dos palavrões. Quer dizer, a Santa Ira é Dom de Deus e pode ser usada sem moderação contra os hereges que buscam desvirtuar as almas.
            A bola da vez parece ser a corrente dos cristãos veganos. Como não era pra ser diferente, sempre que há uma modinha mundana superficial ela busca refúgio no cristianismo para crescer, para apropriar-se das virtudes de Cristo e não raro para dizer que “o cristianismo primitivo era assim”. Assim sendo, o problema não é deixar de comer carne e continuar sendo cristão. O problema é fazer isso e condenar todos os que não fazem o mesmo.
            Primeiramente, não há argumentação científica suficiente para sustentar o vegetarianismo. As pessoas que escolhem viver comendo apenas vegetais têm que seguir uma dieta muito mais rígida e diversificada para suprir a deficiência de carne. Em termos de evolução (e a Igreja não nega que essa teoria possa estar correta), o ser humano evoluiu consumindo carne e sofreu mutações ao longo do processo evolutivo para se adaptar a isso. As presas e o apêndice são evidências de que o ser humano se adaptou ao consumo de carne. Apenas animais carnívoros ou de histórico carnívoro recente (como o Panda) possuem presas, que servem para perfurar a carne. O apêndice é encarado pela ciência como uma adaptação do intestino ao consumo de carne, pois, tendo abandonado hábitos exclusivamente herbívoros, o ser humano teve uma diminuição do intestino que antes era mais longo para digerir apenas vegetais.
            Alguns argumentam que nenhum ser humano nasce carnívoro. Isso é verdadeiro, mas é impossível afirmar que o ser humano nasce herbívoro partindo do fato do ser humano, nos primeiros meses de vida, alimentar-se apenas de leite. Aliás, o leite e a carne têm algo em comum: ambos são de origem animal, muito embora sejam totalmente distintos. Esse argumento é um tiro no pé de quem o usa, porque segundo os veganos, o ser humano não pode consumir leite também. Ora, o ser humano nasce exclusivamente mamífero!
            Ainda há aqueles de coração mole que dizem que os maus tratos com os animais impedem a pessoa com consciência cristã de consumir carne. A esses deixo apenas uma coisa: nenhum animal, por mais fofinho que seja, está acima do ser humano, por pior que seja, nos planos de Deus. O homem é o “animal” mais querido por Deus e não foram poucos os doutores da Igreja que trataram das diferenças dos animais e dos seres humanos.
            Evocam eles São Francisco de Assis sem ao menos terem lido uma vírgula do que deixou esse glorioso santo. Ora, São Francisco, embora tratasse toda a criação como irmã do homem, fez questão de dizer que o restante da criação era uma irmã desengonçada do ser humano. São Francisco de Assis não partiu do princípio de que a natureza é igual ao homem, pois se assim tivesse feito, teria caído no mesmo erro dos pagãos panteístas. São Francisco, tal qual a Igreja, convidou o homem, como um ser ímpar, a olhar a natureza e a ser capaz de perceber um grau crescente de complexidade que leva a chegarmos à conclusão inevitável oriunda da filosofia de Platão: Deus, o criador está acima de todas as coisas.
            Portanto, não é pecado de forma alguma consumir carne de animais confinados desde que esse processo seja necessário para manter a dignidade do homem, saciando a fome e as necessidades dele. Também não é pecado consumir carne alegando que, por não ser um alimento saudável, é pecaminoso. Não é pecado porque o consumo de carne dentro de limites seguros é saudável e mesmo que não fosse saudável, isso por si não seria motivo para haver pecado.

            A verdade é que esses “cristãos” não conseguem conviver bem em um mundo real e, por isso, tentam usar o cristianismo para justificar seu proceder e para proibir aquilo que em sua mentalidade é pecaminoso. Felizmente o cristianismo é a religião da verdade, não dos achismos. Vale sempre lembrar nessa ocasião que Jesus Cristo multiplicou peixes, e não brócolis, bem como sua primeira refeição após a ressurreição foi... peixe. E qual foi a refeição que Deus pediu que os judeus tivessem na páscoa? Cordeiro!