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quinta-feira, 19 de julho de 2012

O conhecimento na Idade Média: desmistificando preconceitos históricos


Por Jennifer Gama.

O conhecimento na Idade Média não era difuso como o atual, de modo que não é possível querer conceituar a hermenêutica da mesma forma, ou compará-la à sua aplicação atual, uma vez que hoje os meios tecnológicos de comunicação facilitam sobremaneira a difusão do conhecimento, o que não se afigurava possível na época em questão.

Na Idade Média, a produção de livros era um dificultoso e vagaroso processo, pois, tendo em vista que não havia máquinas de foto-cópia, tal como a sociedade contemporânea hoje dispõe, nem mesmo gráficas ou impressoras, os livros eram copiados manualmente, pelos monges, que estudavam sobremaneira nas escolas destinadas a eles, as quais também aceitavam estudantes de fora. No interior dos mosteiros existiam as bibliotecas, às quais tinha acesso a população, uma vez que grande parte dos cientistas da época eram padres e demais religiosos, e muitas escolas e universidades foram construídas nesta Era, o que possibilitou, à maneira da época, a difusão do conhecimento científico para a população medieval.

No Concílio de Vaison, datado de 529, por exemplo, ouviu-se São Cesário de Arles a expor as razões pelas quais era imperiosa a criação de escolas para a população rural. Mais tarde, no Concílio de Latrão, em 1179, Alexandre III emite instruções a todo o clero para que crie escolas em toda a região, a fim de instruir gratuitamente as crianças, inclusive as pobres.

Como instituição de enorme importância na Idade Média, a Igreja Católica foi responsável pela transmissão do conhecimento a muitas camadas da população, como afirmam os historicistas hodiernos, especialistas em Idade Média, entre os quais o P.H.D. Thomas Woods, autor da obra "Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental", e Daniel Rops, autor de “Igreja das Catedrais e das Cruzadas”. A Igreja foi responsável, junto à sociedade da época, pela difusão - no sentido medieval do termo - de cultura e conhecimento, emoldurando a realidade social da época, e trazendo os indivíduos das camadas inferiores a um processo de aprendizagem, inclusive de alfabetização. A Igreja alfabetizou e evangelizou, inclusive, muitos povos bárbaros, mediante o ensino da catequese, que não era apenas um simples ensino religioso, de ética e moral que contribuíram enormemente para a solidez moral da sociedade da época e para as futuras gerações, mas também permitia aos indivíduos uma melhor visualização de si mesmos, um olhar para o interior, para a própria essência que possuíam enquanto seres humanos.

A Igreja possibilitou um aumento da auto-estima na sociedade medieval, contribuindo para que os indivíduos volvessem os olhos para a essência de sua própria dignidade, e isso o fez, além da catequese, por meio da alfabetização que promoveu, possibilitando aos membros da sociedade do Medievo uma distinta visão de mundo, calcada no conhecimento científico, que passou a se desenvolver, da criação das Universidades, e do Magistério da Igreja, que sempre se ocupou das mais diversas questões concernentes à humanidade, e dentre estas, com a necessidade de difundir o conhecimento científico, o que fez de maneira imperiosa, considerando-se as possibilidades da época, como acima elencado.

Todos estes fatores contribuíram para um aperfeiçoamento da hermenêutica, que ao longo dos tempos foi sendo transmitida a setores ainda maiores da população, com o advento dos instrumentos tecnológicos que possibilitaram esta difusão de conhecimento. Dados históricos comprovam que a hermenêutica teológica foi um "gérmen" da hermenêutica concebida em eras posteriores, e que muito auxiliou na concepção atual da teoria da interpretação. Isso porque as leis canônicas foram os primeiros ordenamentos jurídicos mundiais, possibilitando a interpretação e que, conforme ensinam os historiadores atuais, em muito contribuíram para nortear uma visão de mundo mais completa, o que é, em suma, o principal objetivo da hermenêutica.

Como dito anteriormente, apesar dos processos de transmissão de conhecimento propiciados pela Igreja na Idade Média - os quais foram sendo aperfeiçoados por ela e por outras instituições, ao longo do tempo -, os conhecimentos da época ainda não permitiam uma difusão de conhecimento nos moldes atuais, mas com certeza a iniciativa católica foi sobremaneira importante para uma fase inicial de compreensão da arte de interpretar.

Fontes:

AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada.
ROPS, Daniel. Igreja das Catedrais e das Cruzadas.
WOODS, Thomas. Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental.
ANDRADE, André Luis Botelho de. A Igreja e o conhecimento. Disponível em: http://www.pantokrator.org.br/blogs/?p=1227 Acesso em: Outubro de 2011.

sábado, 7 de abril de 2012

Obediência como caminho para renovação da Igreja

Por John Lennon J. da Silva.
O Papa Bento XVI, na homilia da Santa Missa de Crisma na basílica de São Pedro hoje, aludiu de práxis a “situação tantas vezes dramática da Igreja de hoje” (homilia de 05/04/12), que a década é conhecida pelos católicos de boa percepção. Na homilia o sucessor de Pedro,comentou e refletiu as motivações que cercam a recente revelia de um grupo de sacerdotes europeus que publicou um apelo à desobediência, instruindo com a indicação de algumas formas de desobediência, até mesmo quanto às decisões de cunho dogmático, ou seja, que já foram solidamente definidas pelo Magistério Extraordinário da Igreja.
Questões como o veto do Magistério à ordenação de mulheres que como explica Bento XVI, lembrando o seu predecessor: “o beato Papa João Paulo II declarou de maneira irrevogável que a Igreja não recebeu, da parte do Senhor, qualquer autorização para o fazer”. (Ibidem). Em seguida o pontífice faz uma pergunta crucial para entender as consequências de tais atos, oriundos em muitas partes do mundo por leigos, teólogos e sacerdotes: “será a desobediência um caminho para renovar a Igreja?” Um caminho que anda e desenrola-se na contramão de uma verdadeira unidade na caridade.
E quantos casos, movimentos e homens não se seguiram e se levantaram contra a obediência na caridade e verdade. Se pusermos os nossos olhos no transito histórico que viveu a Igreja no decorrer os séculos, verificaremos, exemplos notáveis de desobediência como nos séculos XII e XIII. Época de insurgência de grupos e indivíduos nascidos no seio da Igreja não propuseram novos misticismos e espiritualidades que pretendiam purificar o mundo e até mesmo as estruturas da Igreja, que para estes jazia nas trevas.
O Valdismo fundado por Pedro Valdo em 1173. Catarismo, nomeados como albigenses (movimento herético que surgiu ao sul da França). Berengário que foi professor de teologia em Tours. Amaury de Bène professor de teologia na universidade de Paris. Pedro de Bruys era padre, foi considerado por São Bernardo e Pedro o Venerável e Aberlado como o mais perigoso herege da época. Arnaldo de Bréscia fundador do arnaldismo movimento doutrinal anti-eclesial. Além do gnosticismo muito presente nestes círculos de heresias. Sem esquecermos dos séculos XIV ao XVI, com os chamados“pré-reformadores” e sua oposição em matéria eclesiológica, escatológica e doutrinaria João Wycliff, João Huss, Jerônimo Savonarola, João de Wessália e João Wesselus, até chegarmos ao célebre Martinho Lutero que se revoltou contra a Igreja em 1517, e posteriormente impulsionou o surgimento de movimentos encabeçados por João Calvino, Ulrico Zuínglio, Thomas Cranmer, Henrique VIII, John Knox.
E nos séculos XVIII ao XIX com movimentos surgidos no interior da Igreja, talvez impulsionados pelo multi pluralismo teológico eclesial, apoiados no liberalismo e nas primeiras sementes de relativismo, racionalismo que foram sendo gestados nos tempos posteriores a Contra Reforma iniciada em no concílio de Trento (1545-1563). Os véteros-católicos liderados por Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799–1890) que oporram-se as decisções do Concilio Vaticabo II. O Jasenismo que têm origem nas ideias morais, dogmaticas e disciplinares do bispo Cornelius Jansen (1585-1638) desenvolveu-se na Holanda, Bélgica e França. O movimento de Sillon fundado em 1899, sob a direção de Marc Sangnier, movimento que chegou a ser aprovado pelo Papa, mas posteriormente foi condenado por mostra-se cunhado por liberalismo eclesial, social e político. O ultramontanismo corrente fortemente orientada pelo pensamento de Joseph de Maistre, Lamennais, Louis Veuillot, teve muito de seus aspectos condenados pela Igreja.
O modernismo teológico, corrente teológica que defendia a “evolução do dogma” e que Deus só poder ser conhecido “pelo sentimento subjetivo do homem”, encontrou grande ascensão no final do século XIX e inicio do século XX, teve entre seus defensores os teólogos Alfred Loisy, George Tyrell, Ernesto Buonaiuti e Albert Houtin. A“Nova Teologia” inaugurada por Henri de Lubac, e auxiliada pelo pensamento de Blondel, Valensin e Teilhard de chardin, que teve seus aspectos condenados por Pio XII na encíclicaHumani Generis, de 1956. E a revelia de Marcel Lefebvrede após o fim do concílio Vaticano II, este que em 1970 fundou a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, que tem uma situação canônica delicada em relação ao Magistério extraordinário da Igreja.
O que todos estes exemplos históricos refletem? Podemos dizer unicamente com maestria: revolta, incompatibilidade e a falta de caridade e fidelidade com o anuncio querigmático da Igreja, nesta mesma direção. O pontífice esclarece fundamentalmente: “Todo o nosso anúncio se deve confrontar com esta palavra de Jesus Cristo: «A minha doutrina não é minha» (Jo 7, 16). Não anunciamos teorias nem opiniões privadas, mas a fé da Igreja da qual somos servidores(Ibidem). Ou seja, o serviço que presta a Igreja unicamente aos desígnios de Deus; não obedece a “nossa vontade”, nem mesmo, às “nossas doutrinas”. Mas a doutrina e a vontade de Deus que foram estabelecidas no decorrer da história através da Revelação. No caso, destes muitos homens que se levantaram contra o Magistério da Igreja, de formas múltiplas sejam elas teologicamente ou eclesiologicamente. Deixaram eles, ao melhor, abandonaram eles a resposta a unidade que pede Deus ao seu Corpo Místico a Igreja.
Mostra o papa que não é por uma via subjetiva ou individualista ou “um impulso desesperado de fazer qualquer coisa, de transformar a Igreja segundo os nossos desejos e as nossas ideias” que irá ajudar verdadeiramente a renovação da Igreja. Mas “Os Santos indicam-nos como funciona a renovação e como podemos servi-la. E fazem-nos compreender também que Deus não olha para os grandes números nem para os êxitos exteriores, mas consegue as suas vitórias sob o sinal humilde do grão de mostarda”. E não foram exemplos salutares como o de São Francisco de Assis, que fizeram um caminho em contramão, sempre mais edificante e eficaz. Que é a “verdadeira vontade de Deus, à sua palavra sempre válida” (Ibidem).
Falando no mesmo sentido Bento XVI, esclarece: “Não será que, com tais considerações, o que na realidade se defende é o imobilismo, a rigidez da tradição? Não!” (Ibidem). Como o argumento da“rigidez” é utilizado, por propostas teológicas e novas metodologias espiritualistas: “rígida hierarquia eclesial” ou “rígido ritualismo litúrgico”são argumentos vivos no paladar intelectual dos defensores da “Teologia da Libertação”, movimento latino-americano iniciada nos fins da década de 1950 e desenvolvida através das décadas de 1960 e 1970 pelo padre Gustavo Gutiérrez, José Comblin, Leonardo Boff, Jon Sobrino, Juan Luis Segundo, corrente politico-social-teologica de aspiração marxista. Considerada como “heresia singular” pelo papa Bento XVI quando ainda era cardeal.
Obteve condenação a maioria de suas preposições nos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé: Libertatisnuntius (1984) e Libertatis Conscientia (1986). Que entre algumas coisas, limitava o evangelho a uma dimensão social, além de simplificar a pregação do evangelho e o engajamento eclesial ao “imanente”, destroçando em matéria catequética a teologia da “transcendência” católica, além de propor ao homem uma hermenêutica marxista da função da Igreja, no campo da “luta de classes”,da dominação do “homem pelo homem”, da desapropriação da “propriedade privada”,ou seja, dando uma roupagem “cristã” às premissas e terminologias presentes no marxismo-socialismo teórico e cientifico. O que é contraditório a um bom católico como disse o papa Pio XI: “Ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista”.
É verdade que ao longo dos mais de 500 anos, principalmente no ocidente têm a Igreja em seu orbe. Enfrentado desafios tremendos, quanto, a se manter unida pela ação do Espírito Santo, ao anúncio que foi conferido pelo próprio Senhor Jesus e fundamentada na natureza de seu ministério. Não se deixando desviar pela pluralidade de novidades e vontades humanas que têm sido levantadas pelo Inimigo contra a Igreja que se perpetuará até o “fim dos tempos”, como mencionado nos evangelhos. Bento XVI resume o ônus do ministério da Igreja dizendo em sua homilia: “Todo o nosso anúncio se deve confrontar com esta palavra de Jesus Cristo: «A minha doutrina não é minha» (Jo 7, 16)” (Ibidem).
Continuemos então unidos ao Corpo do Senhor, erguido com seu próprio sangue e levado a frente pelos seus apóstolos, os de outrora e os atuais que se encontram unicamente na Igreja Católica. Que o “zelo das almas” (animarum zelus), que segundo o Bento XVI, é “uma expressão fora de moda, que hoje já quase não se usa” (Ibidem), movimente nossos corações e nossa resposta de servos, à vontade e obediência que solicita Deus, para com sua Igreja.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A verdadeira face de Lutero

Por John Lennon J. da Silva.


É pela primeira vez que indico aos leitores do site, um vídeo do canal Santa Igreja no youtube. Canal que sem dúvida alguma tem feito um trabalho espetacular ao produzir vídeos de explanação história e melhor compreensão de fatos polêmicos que cercam a Igreja entre o mundo, assim como temas ligados a doutrina Católica e ao Cristianismo.

Nesta última semana tomei conhecimento de um vídeo intitulado “A verdadeira face de Lutero” produzido pelo Santa Igreja. O vídeo trás uma serie de afirmações e declarações de Lutero que foram registradas em alguns livros da época posterior a Reforma Protestante no século XVI.

São afirmações que induzem ao leitor a concluir o quanto era maléfico e de má fé o pensamento do “Pai dos protestantes”. Algumas das citações presentes no vídeo foram apresentadas por mim semanas atrás no programa que gravei chamado “Lutero e a Reforma Protestante” para o programa Credo in Ecclesia, cujo vocês podem ouvir ou baixar por aqui.

Vocês iram notar também que as frases de Lutero são desconhecidas do público Brasileiro em geral, mais especialmente pelos próprios protestantes que desconhecem o que ensinava aquele que deu origem a maior rebelião contra à unidade cristã na Europa.

Vejam o vídeo do Canal Santa Igreja abaixo:

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Lutero e a Reforma Protestante [Programa Credo in Ecclesia]

Por John Lennon J. da Silva.


No último dia 27 de Julho, foi ao ar programa Credo in Ecclesia, cuja temática foi “Lutero e a Reforma Protestante” em pouco mais de 1 hora tratei da época em que a Reforma desenvolve-se, partindo dos pré-reformadores John Wycliffe e Jan Hus e suas concepções eclesiológicas. Além dos motivos que proporcionaram a Reforma Protestante, fazendo uma pequena síntese especificamente da pessoa de Martinho Lutero seu pensamento, suas idéias e doutrinas.

Abaixo como de costume aqui no site passo o arquivo para que os leitores interessados baixem e ouçam o programa.


O programa vai ao ar todos os sábados apartir das 18:30 hs pelo Radio-web Resgate.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Papa Pio XII salvou 11.000 judeus romanos

Dados publicados pela fundação Pave the Way
Por Jesús Colina

Conforme documentação descoberta recentemente por historiadores, a ação direta do papa Pio XII salvou a vida de mais de 11.000 judeus em Roma durante a II Guerra Mundial.

O representante da fundação Pave the Way na Alemanha, o historiador e pesquisador Michael Hesemann, descobriu muitos documentos originais de grande importância ao pesquisar os arquivos da igreja de Santa Maria dell'Anima, a igreja nacional da Alemanha em Roma.

A Pave the Way, com sede nos Estados Unidos, fundada pelo judeu Gary Krupp, anunciou o achado em declaração enviada a ZENIT.

“Muitos criticaram Pio XII por guardar silêncio durante as prisões e quando os trens partiram de Roma com 1.007 judeus, que foram enviados para o campo de concentração de Auschwitz”, declarou Krupp. “Os críticos não reconhecem nem sequer a intervenção direta de Pio XII para dar fim às prisões, em 16 de outubro de 1943”.

“Novos achados provam que Pio XII agiu diretamente nos bastidores para impedir as prisões às 2 horas da tarde do mesmo dia em que elas começaram, mas não conseguiu deter o trem que tinha aquele destino tão cruel”, acrescentou.

Segundo um estudo recente do pesquisador Dominiek Oversteyns, havia em Roma 12.428 judeus no dia 16 de outubro de 1943.

“A ação direta do papa Pio XII salvou a vida de mais de 11.400 judeus”, explica Krupp. “Na manhã de 16 de outubro de 1943, quando o papa soube da prisão dos judeus, enviou imediatamente um protesto oficial vaticano ao embaixador alemão, que sabia que não teria resultado algum. O pontífice mandou então seu sobrinho, o príncipe Carlo Pacelli, até o bispo austríaco Alois Hudal, cabeça da igreja nacional alemã em Roma, que, conforme relatos, tinha boas relações com os nazistas. O príncipe Pacelli disse a Hudal que tinha sido enviado pelo papa e que Hudal devia escrever uma carta ao governador alemão de Roma, o general Stahel, pedindo que as prisões fossem canceladas”.

A carta do bispo Hudal ao Generale Stahel dizia: “Precisamente agora, uma fonte vaticana [...] me informou que nesta manhã começou a prisão dos judeus de nacionalidade italiana. No interesse de um diálogo pacífico entre o Vaticano e o comando militar alemão, peço-lhe urgentemente que dê ordem para parar imediatamente estas prisões em Roma e nas regiões circundantes. A reputação da Alemanha nos países estrangeiros exige esta medida, assim como o perigo de que o papa proteste abertamente”.

A carta foi entregue em mãos ao general Stahel por um emissário de confiança do papa Pio XII, o sacerdote alemão Pancratius Pfeiffer, superior geral da Sociedade do Divino Salvador, que conhecia Stahel pessoalmente.

Na manhã seguinte, o general respondeu ao telefone: “Transmiti imediatamente a questão à Gestapo local e a Himmler pessoalmente. E Himmler ordenou que, considerado o status especial de Roma, as prisões sejam interrompidas imediatamente”.

Estes fatos são confirmados também pelo testemunho obtido durante a pesquisa do relator da causa de beatificação de Pio XII, o padre jesuíta Peter Gumpel.

Gumpel declarou ter falado pessoalmente com o general Dietrich Beelitz, que era o oficial de ligação entre o escritório de Kesselring e o comando de Hitler. O general Beelitz ouviu a conversa telefônica entre Stahel e Himmler e confirmou que o general Stahel tinha usado com Himmler a ameaça de um fracasso militar se as prisões continuassem.

Institutos religiosos isentos de inspeções nazistas

Outro documento, “As ações para salvar inumeráveis pessoas da nação judaica”, afirma que o bispo Hudal conseguiu, através dos contatos com Stahel e com o coronel von Veltheim, que “550 instituições e colégios religiosos ficassem isentos de inspeções e visitas da polícia militar alemã”.Só numa destas estruturas, o Instituto San Giuseppe, 80 judeus estavam escondidos.

A nota menciona também a participação “em grande medida” do príncipe Carlo Pacelli, sobrinho de Pio XII. “Os soldados alemães eram muito disciplinados e respeitavam a assinatura de um alto oficial alemão... Milhares de judeus locais em Roma, Assis, Loreto, Pádua e outras cidades foram salvos graças a esta declaração”.

Michael Hesemann afirma que é óbvio que qualquer protesto público do papa quando o trem partiu teria provocado o recomeço das prisões.

Ele ainda explica que a fundação Pave the Way tem no seu site a ordem original das SS de prender 8.000 judeus romanos, que deveriam ser enviados para o campo de trabalho de Mauthausen e ser retidos como reféns, e não para o campo de concentração de Auschwitz. Pode-se pensar que o Vaticano acreditasse em negociar a libertação deles.

Soube-se também que o Vaticano reconheceu que o bispo Hudal ajudou alguns criminosos de guerra nazistas a fugir da prisão no fim do conflito.

Por causa de sua postura política, o bispo era persona non grata no Vaticano, e foi repreendido por escrito pelo secretário de Estado vaticano, o cardeal Giovanni Battista Montini (futuro papa Paulo VI), por sugerir que o Vaticano ajudasse os nazistas a fugir.

Gary Krupp, diretor geral da Pave the Way, comentou que a fundação “investiu grandes recursos para obter e difundir publicamente todas estas informações para historiadores e peritos. Curiosamente, nenhum dos maiores críticos do papa Pio XII se deu ao trabalho de vir até os Arquivos Vaticanos abertos (e abertos completamente, desde 2006, até o ano de 1939) para fazer estudos originais. Também não consultaram o nosso site gratuito”.

Krupp afirma ter a sincera esperança de que os representantes dos peritos da comunidade judaica romana pesquisem o material original, que se encontra a poucos passos de sua casa.

“Creio que descobriram que mesma existência hoje da que o papa Pio XII chamava ‘esta vibrante comunidade’ deve-se aos esforços secretos deste papa para salvar cada vida”, disse. “Pio XII fez o que pôde, quando estava sob a ameaça de invasão, de morte, cercado por forças hostis e com espiões infiltrados”.

Elliot Hershberg, presidente da Pave the Way Foundation, acrescenta: “No serviço de nossa missão, nos empenhamos em tentar oferecer uma solução para esta controvérsia, que atinge mais de 1 bilhão de pessoas”.

“Temos usado nossos links internacionais para obter e inserir em nosso site 46.000 páginas de documentos originais, artigos originais, testemunhos oculares e entrevistas com especialistas para oferecer esta documentação pronta a historiadores e especialistas.”

“A publicidade internacional deste projeto tem levado, a cada semana, nova documentação, que mostra como estamos nos movendo para eliminar o bloqueio acadêmico que existe desde 1963.”

Fonte:

ROMA, sexta-feira, 29 de julho de 2011. Disponível em: http://www.zenit.org/article-28585?l=portuguese

sábado, 30 de julho de 2011

A Inquisição em seu mundo


Por Eduardo Moreira.

Introdução:

A Inquisição é o tema mais usado para atacar a Igreja Católica. Mesmo os protestantes, que em nada ficam atrás da Igreja quando se trata de intolerância naquelas épocas usam esse tema para promover ofensivas contra os católicos, ignorando que também houve inquisições e chacinas protestantes muito mais cruéis que aquelas cometidas pela Santa Igreja.

As pessoas que promovem os ataques também ignoram o contexto social no qual nasceu a Inquisição. Ignoram que esse episódio se deu em uma época onde a Religião Católica era o sumo bem do povo que em geral era embrutecido pela barbárie ainda tão recente na Europa. Nesse texto, abordaremos com base nos livros de João Bernardino Gonzaga (A Inquisição em seu mundo) e Felipe Rinaldo de Aquino (Para entender a Inquisição) a Inquisição como ela tem que ser abordada, isto é, em seu contexto histórico, político e social.

O homem medieval:

A Idade Média foi uma época difícil. A desigualdade social era muito grande, povos recém cristianizados ainda eram embrutecidos pela barbárie, pelos cultos antigos e pelo código de direito vigente, o Código de Direito Germânico. O sagrado e o profano se misturavam, a expectativa de vida da população era baixa, sendo que os pobres viviam no máximo até os 26 anos, os nobres raramente ultrapassavam os 40 anos e as pessoas mais resistentes dificilmente chegariam aos 58 anos.

O homem medieval era um homem bruto. Não existiam os costumes humanistas que temos hoje. As pessoas eram de um modo geral, incultas e sem muito medo da morte e da dor. Para se ter uma idéia, as poucas cirurgias que existiam eram todas feitas sem anestesia, amputavam-se membros com a pessoa sentindo dores terríveis e os riscos de infecções eram grandes. Ferimentos que exigiam esses procedimentos eram comuns pelos mais diversos fatores como pestes, guerras e crimes cometidos por parte de assaltantes.

Guerras eram bastante comuns. Não havia autoridades policiais como hoje. Devido às condições precárias de higiene, pestes surgiam a todo o tempo. A escassez de alimento também assolava a população, sendo que não raro, em cercos de guerra os vivos tiveram que comer cadáveres e raízes de árvores para sobreviverem. Também entre uma e outra guerra surgia o problema dos soldados. Desempregados entre as guerras, estes viviam de saques, o que tornava as estradas e florestas locais tão perigosos que poucas pessoas se aventuravam a andar sozinhas nos mesmos.

A mortalidade infantil era bastante alta. Não se existia a ciência como hoje. O povo recém cristianizado arrastava ainda os costumes de religiões pagãs onde não havia nenhuma piedade. É bom lembrar que a Igreja Católica foi quem trouxe a Inquisição, mas foi quem trouxe também as instituições de caridade, os orfanatos e os hospitais ao mundo (AQUINO, F., Uma História que não é contada, 3ª ed., Editora Cleófas, 2003).

Os homens tinham a divindade como máximo bem, centro de tudo. Nas situações de perigo constante em que viviam o ser humano confiava sua vida, suas dificuldades e doenças à Deus, única esperança da sociedade medieval ainda tão pouco evoluída. Essa é a sociedade teocentrista, onde tudo é para e por Deus, o sumo bem dos homens.

No mundo teocentrista, o crime de maior gravidade é aquele que lesa a majestade divina, ou seja, ninguém podia falar nada contra as coisas sagradas ou contra Deus. Conta-se que certo herege chamado Pedro Valdo fez uma fogueira de cruzes e para assar carne em plena Sexta-Feira da Paixão. O povo enfurecido por causa de tamanha profanação assou Pedro Valdo ao invés da carne naquela fogueira.

Era esse o homem medieval, zeloso pela religião, bruto e acostumado com a dor e a morte. Relatos históricos mostram que os homens dessa época suportavam o que hoje consideramos terríveis torturas e não temiam a esses castigos pelo simples fato de que a só vida já era dura demais. Além de tudo, os homens da Idade Média eram regidos por um rei e esse rei, não raras vezes, se julgava no direito de dizer o que era ou não heresia. Havia pelo princípio germânico a noção de que a Religião do rei era a Religião do povo.

A heresia era punida pelo estado com pena de morte, mesmo sem nenhuma aprovação da Igreja. Por tal é bom separar em uma análise da Inquisição a Igreja do Estado, muito embora isso seja difícil, pois nessa época os poderes religioso e político praticamente se sobrepunham.

Os antecedentes da Inquisição:

A Inquisição como ouvimos falar surgiu em meados do século XIII. Aconteceu que naquela época as investiduras leigas haviam caído. Os reis não tinham mais tanto poder para investir membros do clero, que por sua vez, estava retomando seu poder pleno. Os reis julgavam muitas vezes de forma injusta as heresias, pois não tinham conhecimento teológico para tal.

A teologia, como toda ciência, ainda estava engatinhando. Ela por sua vez tinha muito misticismo, fruto da influência da sociedade, da qual o clero não estava isolado, pois era daí que saiam os servos de Deus. É um erro pensar que a Igreja era uma instituição a parte, intelectualmente acelerada que não acreditava nas convicções que professava, mas as impunha para manter o poder. A Igreja cria tanto quanto a população nas suas convicções e justamente por isso toda ela pregava o que pensava.

Do misticismo medieval nem mesmo os reformadores que se julgam aqueles que retornaram à fé cristã primitiva estavam livres. Lutero, por exemplo, era de uma família de camponeses que cria em duendes e outras criaturas místicas. O misticismo acerca de Lutero e Calvino era tamanho que muitas vezes os dois chegaram a declarar que jamais sentiram o perdão de Deus, mesmo depois de se arrependerem amargamente de seus pecados.

Nos séculos onde se desenvolveu a Inquisição, conforme já dito, tanto a população quanto os reis vinham fazendo julgamentos, não raro injustos, para deter quem eles julgavam hereges.

Como o misticismo era ainda elevado e havia as crenças remanescentes das culturas anteriores, os homens medievais muitas vezes criam em histórias macabras de bruxaria. Com isso as pessoas se iravam contra mulheres que, inocentes ou não, acabavam mortas com ou sem o consentimento da Igreja. Os membros da Igreja eram tidos muitas vezes como benevolentes demais com os hereges.

Por muitas vezes as pessoas invadiam presídios e raptavam presos em julgamento por heresia para executá-los de forma bárbara e cruel. É fato que a Igreja relaxou várias pessoas ao braço secular para que fossem executadas, mas é fato também que a Igreja foi um órgão de muita tolerância no cenário medieval.

Nesse contexto, remanescentes dos maniqueus, crença herética dualística desviada do cristianismo primitivo, emigraram para o sul da França, precisamente para cidade de Albi. É importante falar quem eram os maniqueus. Santo Agostinho mesmo foi maniqueu, mas em decorrência das orações de sua mãe, Santa Mônica, Santo Agostinho se converteu ao catolicismo. Esse santo argumentou bravamente contra os hereges maniqueus que pela ação agostiniana quase foram extintos.

Os maniqueus em Albi ganharam então o nome de albingenses ou cátaros (termo que soberbamente significa puro). Infelizmente, foram a corrupção e os maus exemplos do clero que instigaram as grandes heresias. Esses hereges ao verem a situação deplorável de certos membros do clero, acabavam desejando de forma obsessiva, orgulhosa e doentia a pureza. Geralmente, as grandes heresias consistem em um núcleo de verdade coberto por uma casca de mentira. Quanto mais forte o núcleo de verdade, mais difícil é de se quebrar a heresia.

Os cátaros pregavam que existiam dois deuses. Segundo eles, o deus que se apresentou a Moisés era um deus perverso que havia aprisionado o deus bom na matéria. Cristo seria, pois, um anjo que teria revelado o deus bom pregando um desapego a matéria, pois essa foi criada pelo deus mau. Segundo os cátaros, o deus do bem estava em toda a matéria e deveria ser liberto por uma espécie de esoterismo, um conhecimento oculto das criaturas. Portanto, nada que é matéria poderia ser bom. Essa é a doutrina pessimista da Gnose.

As conseqüências desse pensamento foram desastrosas. Os cátaros pregavam a pobreza, o desapego total a tudo que é matéria. Proibiam o casamento, pois os filhos eram a perpetuação da desgraça proveniente da matéria, que em si é má. Eram fanáticos e infiltraram-se na Igreja de forma oculta, tomando mosteiros, pessoas do alto clero, universidades e vários outros órgãos. Chegaram a criar dioceses com bispos e sacerdotes. Mesmo a nobreza em parte adotou ao catarismo que crescia as escondidas como uma planta parasita que matava a grande árvore, que é a Igreja.

A Inquisição em si:

Em princípio, a Igreja quis converter os cátaros conforme ensinavam Santo Agostinho e São João Crisóstomo, ou seja, só por pregações. Entretanto, esses mesmos santos haviam dito que a tortura pode ser usada quando não há outro recurso.

Como a pregação estava sendo impossibilitada pelos cátaros, que inclusive chegaram a matar pregadores, a Igreja foi forçada a agir por outros meios. Vale lembrar que os historiadores, em geral, são unânimes quando falam sobre o catarismo. As conseqüências da Inquisição foram graves, mas se o catarismo tivesse se estendido suas conseqüências teriam sido muito piores. Nesse contexto dos historiadores está Henry Charles Lea, protestante hostil a Igreja que apesar dos pesares fala que a causa da ortodoxia contra os cátaros não foi senão a causa da sociedade e do bom senso.

Os cátaros tinham rituais próprios, inclusive “missas”. Em alguns rituais os cátaros se envolviam sexualmente e o fruto dessas relações ao completar oito dias era queimado vivo em uma fogueira. As cinzas do recém nascido eram então adoradas pelos cátaros. Para eles, a reencarnação era a forma de purificação. Com sucessivas reencarnações o ser humano se tornaria puro e voltaria a ser a divindade puramente espiritual que fora um dia.

A Inquisição propriamente dita nasceu em Laguedoc, sul da França no ano de 1184. Todavia, a Inquisição no início não era como se tem hoje. Não havia tribunais fixos, mas sim tribunais convocados. Não havia pena de morte ou tortura. Essas só foram instituídas mais tarde sendo primeiro instaurada a tortura e depois a pena de morte, que era executada pelo estado. Essas penas só foram impostas porque as pregações não surtiram efeito.

Entre 1209 e 1244 o Papa Inocêncio III convocou então as cruzadas contra os cáltaros ou cruzada albingense, sob apoio do nobre herói católico e nobre Simão de Montfort. É importante lembrar que entre os cátaros também era comum o suicídio que visava libertar a alma da matéria (que era tida como ruim). Esse suicídio “sagrado” era chamado de Endura.

Nesse contexto nasceu a Inquisição. Sob a suspeita de heresia a Inquisição era convocada para julgar o caso. É importante falar que embora na nossa concepção atual matar um herege seja errado naquela época não era assim. Tanto os católicos como os hereges achavam normal matar alguém que negasse a fé. A pena de morte também não é anti-bíblica, sendo que São Paulo reconhece que o estado tem autoridade de aplicá-la quando necessário (Cf. Rm. 13).

Importante também é dizer que a Inquisição não era um tribunal algoz, cheio de sarcasmo que matava qualquer um por qualquer coisa sem o menor cuidado. A Inquisição organizava e arquivava processos e a pena de morte era o último recurso a ser usado, pois o objetivo desses tribunais não era matar, mas sim converter os hereges.

Apenas os hereges eram pegos pela Inquisição. Judeus, mulçumanos e outros que jamais haviam sido batizados não podiam ser julgados por esses tribunais. Se o foram em algum período, foi fora das normas estabelecidas pela Igreja. Isso ocorreu nas Inquisições Espanhola e Portuguesa, mas essas são chamadas de Inquisições Régias, pois eram muito mais ligadas ao poder da monarquia desses países e não da Igreja.

Devido à dureza do homem medieval, é perfeitamente compreensível que se apliquem a pena de morte e a tortura, tendo em vista que a justiça da época além de ser embrutecida pelo Código de Direito Germânico, ainda não contava com instrumentos de perícia policial para adquirir provas como hoje.

Os recursos empregados para se incriminar alguém então eram os mais absurdos possíveis para a mentalidade de hoje. A tortura (no Direito Romano), a confissão do réu, os testemunhos e por parte do estado também duelos e os ordálios (no Direito Germânico). Nesses dois últimos casos, se o réu sobrevivesse ou se não se infeccionasse por algum tormento intencionalmente provocado, os medievais consideravam isso como um sinal de que Deus estava em defesa dele. Entretanto, essa prática era condenada pela Igreja que lutou de todas as formas para substituir o Código de Direito Germânico pelo Código de Direito Romano, mais racional, mas que utilizava a tortura.

A admissão da tortura pela Igreja também tinha condições. A tortura não podia mutilar membros ou torná-los tão degradados que necessitassem ser amputados, não podia passar de uma hora e deveria ser feita com acompanhamento médico para dizer até onde poderia ir o suplício. Só em último caso aplicava-se a tortura legalmente. O clero não podia torturar ou matar alguém e assim foi durante toda a Inquisição, mas deveria estar com o sangue pronto para ser derramado pela fé.

Mesmo os algozes e inquisidores deveriam ser pessoas de índole e pessoas piedosas. Quando algum algoz ou inquisidor fugia a regra, ele deveria ser punido, muitas vezes pela Inquisição. Quanto à pena de morte, ela passou a ser empregada só mais tardiamente, quando viram que as repressões usadas não surtiam efeito. Era o estado e não a Igreja que executava a pena de morte, que não é anti-bíblica.

O herege que não se retratava pela Inquisição era convidado a se calar. Só quando o herege insistia em seu erro é que ele era morto, mas a pena de morte poderia ser por pura iniciativa do estado ou por pedido da Igreja. Além do mais, a Inquisição é tida na história, ao contrário do que muitos pensam, como um progresso no direito civil.

Para se ter uma idéia, foram relaxados ao braço secular apenas 1,8% dos casos de bruxaria julgados pela Inquisição. Quando o estado agia cerca de 48,2% dos casos de bruxaria foram executados. As cadeias antes eram lugares horríveis, sem ventilação e iluminação, com péssimas condições de higiene. Foi a Inquisição, para exercitar a penitência dos fiéis que criou as chamadas penitenciárias que por sua vez eram lugares bem arejados, iluminados e com certeza muito mais higienizados que as cadeias do estado. Daí vem o nome penitenciária, do nome penitência, pois as penitenciárias eram lugares para exercitar o arrependimento dos infiéis.

Não só a pena de morte era utilizada, peregrinações e outras formas de penitências poderiam ser impostas. Além do mais, não era só a pena de morte pela fogueira que era empregada, havia também outras formas de se matar os hereges.

Vale lembrar que naquela época, a religião do rei era a religião do povo. Depois da queda do Império Romano, como a única instituição organizada que havia no ocidente era a Igreja Católica, ela teve que agir para que os bárbaros não acabassem com tudo. Se a Igreja não tivesse agido, provavelmente as conseqüências teriam sido bem piores. Foi graças à Igreja que toda a cultura helênica e romana foi salva das destruições dos bárbaros.

Os bárbaros passavam saqueando tudo e causavam destruição e dor por onde passavam. Foi a Igreja quem salvou os tesouros das culturas antigas. Foi justamente por ter guardado isso que foi possível que a própria Igreja restaurasse o racionalismo que ganhou o nome de Renascença.

Hoje em dia se fala (com exageros) em milhões de mortes causadas pela Inquisição. Fecham-se os olhos para as 100.000.000 de vítimas do comunismo que agiu por apenas 50 anos. O número de mortos pela Inquisição Espanhola, a mais sangrenta de todas e com grandes participações do estado, certamente não chegou a 5.000 em seus seis séculos de existência.

A Inquisição Anglicana na Inglaterra matou em sua história mais que toda a Inquisição Católica. Entretanto os professores de história e os grandes “intelectuais” carregados com seus pensamentos marxistas acusam apenas a Igreja Católica de carnificina.

E não para por aí. No Brasil, gêmeos e crianças deficientes indígenas são enterradas vivas com freqüência em nome da “cultura”. Basta que um pajé declare que aquela criança não tem alma. Entretanto, para esses “pensadores” as atrocidades em nome da cultura são justificáveis.

Também as atrocidades em nome da liberdade de expressão e opinião são toleradas, exceto quando o pensamento tem fundo religioso cristão-católico. Veja-se que hoje pelo mundo existem vários partidos e grupos declarados nazistas e comunistas, tipos que tanto fizeram vítimas pelo mundo, entretanto, é só mesmo contra a Igreja que tem graça fazer ataques.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Sequelas da Heresia.


Por. John Lennon J. da Silva

É quase que habitual aos católicos bons de “percepção” como diria o teólogo norte-americano Scott Rahn. Se defrontarem com a proclamação ou propagação de falsas doutrinas recheadas de heresias, ao ligar a televisão ou em conversas informais com não católicos e também na internet. Parece comum lermos ou escutarmos especulações ditas “teológicas” vindas de diversos grupos, movimentos e comunidades sejam protestantes ou não. Estes acontecimentos, digamos que corriqueiros têm encontrado enorme repercussão em nossos dias. Oriundas das sequelas deixadas pelas grandes heresias; a última delas historicamente remonta os tempos da Reforma Protestante do fim do século XVI.

O termo “heresias” provém etimologicamente do latim haerĕsis. Versado do grego αἵρεσις, [escolha, partido ou opção]. Existem várias designações para o que é heresia. Podemos enfim aludir a heresia “como desvio, equivoco e erro teológico oposto a ortodoxia¹ cristã, contrariando aos dogmas e preceitos da Igreja Católica, e que pode ter como centralidade a deturpação, má interpretação e propagação de falsa doutrina não alinhada a sã doutrina como deixada pelos apóstolos e mantida pelos cristãos antigos”.

O Catecismo com uma linguagem mais prática e objetiva diz que “Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do Batismo, de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou dúvida pertinaz a respeito dessa verdade” (CIC 2089).

O adjetivo “heresia” aparece em citação de São Paulo aos Coríntios; “É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” (I Cor 11,19). Originalmente a palavra “partido” em algumas traduções é versada para o termo “heresias”. O Apostolo Paulo Também enumerara entre as obras da carne a; “idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos²” (Gl 5,20).

As heresias sempre estiveram presentes ao longo dos séculos dentre o Cristianismo, consequentemente todas repelidas pela autoridade da Igreja Católica através de concílios êcumenicos e erforço de Papas, Bispos e teológos. Lembremos os vários movimentos que foram condenados por seus equivôcos, erros e pela promungação de falsas doutrinas como gnosticos, donatistas, arianos e outros. Sem esquecer os pseudo-movimentos encabeçados pelos Valdenses, Albigenses, Anabatistas e Reformadores Protestantes.

Já no I século levantavam-se homens que deturpavam a pregação apostolica e os evangelhos. Ensinavam e pronunciavam doutrinas não ortodoxas, por isto S. Paulo alertava “se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!” (Gl 1,9) constituía umas das primeiras medidas disciplinares da Igreja primitiva. Aos indivíduos que desviavam-se da pregação dos Apóstolos, tarefa mais tarde que será brilhantemente guardada pelos Padres Apostólicos em especial chamo a atenção S. Irineu de Lião.

"Suponhamos que se levante uma questão sobre algum importante ponto entre nós, e não possamos recorrer às mais primitivas comunidades com as quais os apóstolos mantiveram constante relacionamento, as quais aprenderam deles o que é certo e claro a respeito dessa questão. O que aconteceria se os próprios apóstolos não nos tivessem deixado escritos? Não seria necessário (nesse caso) seguir o curso da tradição que transmitiram àqueles aos quais entregaram às Igrejas?" (Irineu de Lião. Contra as Heresias III,4,1).

Ainda nos tempos apostólicos, João o Teólogo como é chamado no Oriente, o autor do quarto evangelho, exorta biblicamente “Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis” (II Jo 1,10) era mais uma atitude pastoral. Na antiguidade cristã, muitos falsos profetas e homens (cf. Jud 1,10-11); afastaram-se da Igreja, separavam-se da comunhão com as primeiras comunidades e fundavam partidos e difundiam suas ideias em algumas regiões causando conflitos com as Igrejas locais, por isto é memorável as palavras de S. João Evangelista “Eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos. Se tivessem sido dos nossos, ficariam certamente conosco. Mas isto se dá para que se conheça que nem todos são dos nossos.” I Jo 2,19.

Os padres da Igreja mantiveram papéis essenciais na condenação de vários erros teológicos e heresias durante os VII primeiros séculos da Igreja, por intermédio dos concílios e da autoridade dos primeiros bispos de Roma. Desta forma lembra o historiador francês Geoges Duby “todo herético tornou-se tal por decisão das autoridades ortodoxas.” (DUBY, 1990, p. 177). Mesmo nestas condições as seitas como eram consideradas as correntes que mantinham estas posições, não coerentes com a doutrina católica penduravam-se e desenvolviam-se por longas décadas de forma isolada até que se extinguissem ou não. E outras seitas surgissem; a convivência com as heresias era estreita e vetada, versando as condições religiosas e jurídicas da época. No séc. XIII Tomás de Aquino exortava aos fieis católicos que não mantivessem relações algumas com os hereges, nem mesmo conversas para que não se corrompessem tomando com citação (I Co 15,33).

Atualmente verifica-se que as comunidades eclesiais surgidas da Reforma comungam das doutrinas heréticas dos primeiros reformadores como o heresiarca³ Martinho Lutero no séc. XVI. E ainda mais o neo pentecostalismo têm manifestado outros modismos teológicos nas novas “igrejas”, cercados comumente de aversão aos ensinamentos católicos e alguns outros fenômenos do anticatolicismo. Para enumerarmos existem hoje muitas crenças heréticas como a não consciência dos que já faleceram, o batismo pelos mortos, o milenarismo, o Espirito Santo desprovido de Divindade e etc. Além das crenças originadas na Reforma a solo fides, solo graça, solo escritura, livre exame e assim vai...

Interessante e que em nossos tempos estas doutrinas tem encontrado acessibilidade junto às pessoas como que em um rodízio, existem crenças e “igrejas” para todos os gostos e como é necessidade moderna a “novidade” esta se encontra em alta atualmente. Muitos tem se entregado as sagazes e falaciosas novidades “abandonando a lei santa que lhes foi ensinada” (II Pd 2,21). O Apostolo Pedro profetizou sobre as heresias, dizendo que “Muitos os seguirão nas suas desordens e serão deste modo a causa de o caminho da verdade ser caluniado” (II Pd 2,2). E como é difícil para os bons católicos hoje cercados de adversidades manterem-se intactos e ortodoxos; apegados a verdade revelada a Igreja “Coluna e sustentáculo da verdade” (II Tm 3,15); perante as atuais e corriqueiras consequências trágicas, reflexo das heresias como salientei no início do artigo. Que tornam os verdadeiros cristãos os personagens caluniados, injuriados e os vilões dos últimos séculos.

Notas:

Ortodoxia¹: Adjetivo povém do grego "orthós" (retos) e "dóxa", (opinião). Resultando na tradução “crença correta” como salientam alguns linguistas.

Partidos²: O termo corresponde a “heresias” como aparente em algumas versões da bíblia. Cf. I Cor 11, 19:

Heresiarca³: Significa mentor, iniciador ao melhor “pai” de uma doutrina ou pensamento herético, o termo pode ser endendido e usado para designar um chefe ou cabeça de uma seita herética.

Referencias;

DUBY, Georges. Heresias e Sociedades na Europa Pré-Industrial, séculos XI-XVIII in Idade Média – Idade dos Homens. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.175-184 [original: 1988].

IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias III. 4,1.

sábado, 25 de junho de 2011

Os Jesuítas na América latina

História da presença jesuítica na América latina.


Por. Prof. Carlos Ramalhete

Introdução

Para o brasileiro médio de hoje, é dificílimo sequer imaginar o ambiente mental dos europeus, especialmente íberos, do século XVI. Tudo, na concepção do homem da época, passava pela religião. Não havia sequer a possibilidade mental de imaginar o mundo de maneira materialista ou secular.

Isto não era, entretanto, como hoje em dia é comum acusar, um totalitarismo religioso imposto sobre a população. A religião regrava as vidas não por imposição externa, mas por crença real e livremente aceita. As autoridades religiosas não detinham senão uma parcela ínfima do poder que hoje tem qualquer guarda de trânsito. As autoridades civis no nível nacional espanhol e português estavam apenas começando a ter o seu poder aumentado lentamente, às custas do poder tradicionalmente mantido pelas instâncias inferiores. Mesmo assim, o poder dos reis era infinitamente menor que o poder exercido por um prefeito moderno. Um rei não poderia dizer a uma Universidade o que fazer, o que ensinar, quem contratar e a quem admitir como aluno. Um rei não poderia dizer a um pai de família como e onde educar seus filhos.

Toda a sociedade estava organizada tendo como pólo principal não as leis e regulamentações estatais, mas a religião. Ao contrário de hoje, havia um acordo completo dentro de todos os segmentos da sociedade, até mesmo os criminosos, acerca do que era certo e do que era errado, do que era permissível e do que não era. Os criminosos não viam com orgulho seus atos criminosos, como hoje muitos fazem; os atos desonestos que cometiam eram por eles vistos como atos desonestos e não justificáveis.

Ao mesmo tempo surgia mais ao norte a sombra da Era Moderna; com a Revolta protestante, seguida pelo dito "Iluminismo", a era de ouro da civilização européia cedia o lugar aos primeiros sinais do que viria a tornar-se a barbárie genocida do século XX. Na Espanha e em Portugal, contudo, a longa batalha, finalmente concluída, contra as tropas muçulmanas instaurava um período de grandeza espiritual e material. O Século de Ouro espanhol se iniciava.

No mesmo ano em que Cristóvão Colombo descobriu a América, foi concluída a Retomada. A Península Ibérica, que passara oitocentos anos sob dominação muçulmana, estava finalmente de volta às mãos dos cristãos. A longa guerra pelo domínio da Península fizera com que a mentalidade espanhola e portuguesa fosse radicalmente diferente da mentalidade do resto da Europa. Enquanto para a maioria dos europeus o mundo era a Cristandade, para os ibéricos a lembrança recente dos duros combates contra os muçulmanos, e até a presença de muçulmanos nos territórios recém-retomados, eram fatores importantes na formação da mentalidade do povo. Os íberos eram povos guerreiros, povos de soldados.

Estes soldados, entretanto, eram profundamente religiosos. Em suas guerras eles cometiam crimes hediondos, como aliás o fazem quase todos os soldados. Raramente, porém, encontraríamos alguém que os quisesse justificar. A noção de “guerra total”, não podemos esquecer, é uma invenção do século XX.

Os Jesuítas

A Societas Jesu, ou Companhia de Jesus, foi fundada em 27.IX.1540 pelo ex-militar espanhol Santo Inácio de Loyola. Um de seus primeiros seguidores foi o jovem São Francisco Xavier. Organizada em moldes militares, era dedicada à obediência à Igreja ao ponto de adicionar um quarto voto, de obediência direta ao Papa, aos tradicionais votos de pobreza, obediência e castidade. Dispensando muitas práticas tradicionais em prol de uma maior mobilidade, a Companhia de Jesus foi a primeira congregação regular a não ter hábito próprio, não ter canto comum dos Horas litúrgicas e não ter eleições internas, adotando um regime monárquico baseado na obediência. O superior Geral da Companhia é chamado "Papa Negro" (por usar a batina negra dos padres diocesanos), e só presta obediência ao Papa. Do mesmo modo, os jesuítas (termo originalmente ofensivo mas depois adotado pelos membros da Companhia) só prestavam obediência ao Papa e a seus superiores dentro da Companhia. Eles também não faziam votos solenes, de modo a poderem ser mais facilmente dispensados pelo Papa em caso de necessidade.

Antes mesmo do reconhecimento canônico da Companhia, seus membros já foram encarregados pelos Papas de várias missões difíceis, especialmente a luta contra as heresias dentro da Cristandade e a evangelização de povos distantes e agressivos. Coube aos jesuítas a evangelização do Japão, da China (onde envolveram-se em uma questão controversa por adotarem uma versão achinesada da liturgia), da Índia, da América do Norte (onde tombaram vários, martirizados pelos índios na Flórida, em Nova Iorque, na Virgínia e no Canadá). A eles também couberam as tentativas de re-catolicização da Inglaterra, onde vários foram martirizados pelos protestantes. A Companhia teve ao todo mais de oitocentos de seus membros martirizados in odium fidei.

Por adotarem intransigentemente a defesa da Fé e a obediência ao Romano Pontífice, muitas foram as inimizades conquistadas pelos Jesuítas. Os protestantes, os jansenistas, os iluministas, os traficantes de escravos; todos, em um ou outro momento, levantaram-se contra estas vozes da pura Fé, que preferiam entregar sua vida a ceder na defesa da verdade.

A questão ética

Quando foram descobertas as novas terras das Américas, os Reis de Espanha e Portugal receberam permissão papal para evangelizar estes territórios. Os soldados que haviam sido enviados, porém, por mais religiosos que fossem, não eram de modo algum a elite moral da sociedade ibérica. Eram bandidos anistiados, eram aventureiros em busca de fortuna, eram, em suma, a escória da sociedade.

Dois foram os modos de exploração econômica e evangelização das novas terras. Portugal manteve-se na costa, buscando primordialmente o comércio com as tribos nativas. A Espanha, que encontrou quase imediatamente grandes impérios, procurou dominá-los e submetê-los à Coroa. O raciocínio que foi empregado para justificar esta dominação era multiforme. Por um lado, os nativos deveriam ser evangelizados, o que fazia com que fosse necessário manter uma presença forte na terra nova para garantir a segurança dos missionários. Por outro, os nativos tinham hábitos que provocavam nos espanhóis uma justa indignação, como o sacrifício humano. Assim, fazia-se necessário intervir violentamente para fazer cessar estes sacrifícios, que atingiam a casa das dezenas de milhares de pessoas por ano. Ao mesmo tempo, a cobiça dos soldados fazia com que estas razões, que por si seriam justas em algumas circunstâncias, fossem freqüentemente invocadas sem razão.

O Rei da Espanha estabeleceu então um sistema de comendas, que deveria assegurar ao mesmo tempo os interesses financeiros dos espanhóis e o bem-estar dos índios. Os índios seriam empregados pelos espanhóis, a força se preciso fosse, mas sendo sempre pagos, alimentados e educados por seus patrões. A escravização deles não seria permitida. Em breve, porém, os supostos “empregos” tornaram-se mais e mais semelhantes a condições de real escravidão, o que provocou a justa indignação do Bispo de Chiapas, D. Bartolomeu de Las Casas, OP, que chegou a excomungar os maus patrões.

A questão do modo como estavam sendo tratados os índios chegou então às Universidades espanholas, centro do pensamento moral e teológico da época. Vivas questões foram suscitadas acerca do tratamento dado aos índios. Os professores que eram ligados à Corte ou que de alguma maneira tinham ligação com as forças colonizadoras procuravam minimizar a gravidade dos crimes. Os teólogos mais independentes, como Francisco de Vitória e Molina, aplicavam de maneira mais justa a Teologia Moral no tocante a estes casos.

A importância destes debates não pode ser hoje menosprezada, assim como não podemos deixar de perceber a enorme importância e gravidade de que era revestida a excomunhão ministrada por D. Bartolomeu, ou uma simples definição de que tal ou tal ação constitui pecado mortal. Mesmo os mais gananciosos e empedernidos criminosos apavoravam-se com a simples idéia de serem excomungados.

As possessões espanholas eram governada por vice-reis, que detinham prerrogativas de Padroado; a eles competia nomear bispos e instalar dioceses e paróquias. O clero que acompanhava estes vice-reis e era posto sob sua tutela direta pertencia predominantemente às ordens mendicantes (franciscanos e dominicanos). Os jesuítas, porém, operavam de maneira bastante diferente. A Companhia de Jesus operava sob as ordens diretas do Papa, não estando portanto sujeita à tutela direta dos vice-reis espanhóis. Os jesuítas eram aceitos de bom grado pelos espanhóis, mas não faziam parte do sistema. Ainda que obedecendo às determinações legais de colocar os índios sob a suserania do Rei de Espanha, eles não procuraram em momento algum mesclar as populações indígenas às populações espanholas, como havia sido e era ainda feito pelo clero diretamente às ordens dos vice-reis.

Tendo percebido os horrores advindos do sistema de comendas e da exploração da mão-de-obra indígena por parte dos colonos espanhóis, os jesuítas preferiram agir em prol dos índios. A entrada de espanhóis nas reduções jesuíticas só podia ocorrer em circunstâncias especiais, requerendo permissão. Os índios não eram entregues aos colonos, nem tampouco o eram as terras indígenas.

Neste contexto histórico, é fácil perceber tanto a importância do trabalho dos jesuítas quanto as dificuldades por eles enfrentadas.

A América Espanhola

Quando os espanhóis chegaram às Américas continentais, eles encontraram civilizações relativamente avançadas, de alto nível de organização: os Astecas e os Incas. Para os padrões europeus, ambas eram extremamente primitivas em termos tecnológicos; a tração animal era-lhes desconhecida, assim como não conheciam nem as armas de fogo nem o ferro, fundamental para a construção das armaduras que tornavam os espanhóis virtualmente imunes às flechas e espadas de obsidiana dos nativos.

Aproveitando-se das rivalidades tribais, os conquistadores espanhóis lograram subjugar, em tremenda inferioridade de números, os numerosíssimos e aguerridos exércitos idólatras. Em sua justa indignação, causada pelo horrendo espetáculo dos morticínios rituais astecas, os conquistadores desfizeram em grande medida as instituições e a hierarquia social presente antes de sua chegada. Esta organização, porém, não tinha uma história muito longa. Os povos do México haviam sido subjugados pelos astecas há relativamente pouco tempo, e o domínio asteca não estava demasiadamente imbricado no tecido social. Cada povo não-asteca ainda tinha seus próprios reis e príncipes, que pagavam aos astecas impostos em homens e mulheres a serem sacrificados aos ídolos.

Havia porém uma sociedade organizada, de tal forma que a chegada dos espanhóis às praias rapidamente chegavam aos ouvidos dos governantes no altiplano. Isso forçou um confronto maior e levou a uma rápida penetração espanhola em território asteca. Esta penetração, seguida por sucessivas vitórias militares com o auxílio dos povos subjugados pelos astecas, incentivados pelos espanhóis a levantar-se contra seus opressores, fez com que uma governança espanhola fosse logo estabelecida.

Devido ao direito de Padroado de que gozavam os reis de Espanha, foram imediatamente estabelecidas circunscrições não apenas administrativas civis e militares, mas também religiosas. As dioceses eram estabelecidas à medida que o era o governo civil. Enviados em autoridade pelo governo espanhol, os vice-reis tinham o poder de estabelecer novas dioceses e paróquias, facilitando tremendamente o trabalho de evangelização.

Quando da chegada espanhola na costa oeste sul-americana, foi igualmente encontrada uma civilização de grande complexidade administrativa. Assim, a chegada dos primeiros espanhóis foi imediatamente levada ao conhecimento dos Incas em Cuzco, nas altas montanhas andinas. Enviados espanhóis foram imediatamente buscar a conversão dos príncipes, sendo recebidos com injúrias e desprezo. Os espanhóis então atacaram com força. Movidos igualmente pelo desejo de reparar o ultraje a Nosso Senhor e pelo desejo do ouro, farto naquelas terras, imediatamente encetaram a conquista dos territórios dominados pelos Incas, destruindo assim o outro grande Império latino-americano pré-colombiano.

Neste primeiro contato com as civilizações mais avançadas das Américas, cabe lembrar, ainda não estavam presentes os jesuítas. As primeiras excursões espanholas tiveram como seus capelães principalmente franciscanos e, em menor quantidade, dominicanos.

A América Portuguesa

Na América Portuguesa a situação foi bastante diferente. Nas terras cuja evangelização foi confiada aos portugueses, a leste das Tordesilhas, não haviam nenhuma civilização avançada. Centenas de tribos indígenas primitivíssimas, inimigas umas das outras, digladiavam-se e entregavam-se ao canibalismo. Nestas circunstâncias, não havia evidentemente um governo central ao qual a chegada dos portugueses fosse noticiada, não houve tropas enviadas do interior para a costa, não houve, em suma, nenhum motivo para uma rápida penetração além da costa. Somando-se ainda o fato de Portugal ser um país pequeno, já engajado em colonização e comércio costeiros com enorme parcela da África e do Sul da Ásia o que fazia com que os recursos humanos portugueses já estivessem esticados ao limite é fácil perceber a razão por que a colonização portuguesa inicialmente restringiu-se a uma estreitíssima faixa costeira. Até a chegada dos primeiros missionários jesuítas, havia apenas dois franciscanos em Porto Seguro, chegados em 1516, e outros dois em São Vicente (litoral paulista), chegados em 1530.

Com a chegada dos jesuítas à obra da evangelização americana, porém, esta situação se modificou em grande parcela. Levados pelo desejo de evangelizar os índios, livrando-os do canibalismo e de similares costumes bárbaros, os jesuítas rapidamente encetaram fascinante obra de evangelização dos territórios em domínio português. Foram eles os primeiros a avançar a pé pelo litoral, buscando evangelizar as tribos indígenas e inculturar para aqueles povos a mensagem do Salvador. Devemos aos jesuítas a fundação e o estabelecimento não só de grande parcela da povoação costeira no Brasil, como a costa capixaba, como também a fundação de São Paulo, o primeiro estabelecimento ocidental no interior brasileiro. Desta vila, porém, em amarga ironia, viriam mais tarde ataques assassinos contra as futuras reduções jesuítas no Paraguai.

No Ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1549, no dia de Santo Inácio (1o de fevereiro) partiu de Lisboa a primeira missão jesuíta portuguesa para a terra do Brasil. Seis eram os jesuítas que nela vieram, incluindo o superior, Pe. Manuel da Nóbrega. No ano seguinte seis mais padres vieram. Sendo tal número de padres insuficiente para tão vasto território, foram enviados em 1553 mais dois padres e quatro irmãos, dentre eles o Bem Aventurado José de Anchieta (1534-1597), o mais novo da expedição.

Contrariamente ao que ocorria nas terras espanholas, a evangelização do Brasil começou principalmente com os jesuítas. Apesar de terem os reis de Portugal direito também de Padroado, só muito indiretamente era este direito exercido; não foram por estes reis nomeados vice-reis que pudessem exercê-lo, o que fazia com que fossem necessárias ordens vindas da Europa (viagem de meses de barco em cada sentido) para a ereção canônica de uma paróquia. Assim, continuou o Brasil por muito tempo a ser território de Missão. Até 1676 a única diocese em território brasileiro era a da Bahia, fundada em 1551.

A penetração do território português

Em aberta desobediência às determinações da Igreja, era costume entre os portugueses a escravização de indígenas. Somando-se este mau e criminoso hábito às tremendas guerras movidas pelos colonizadores e às doenças provocadas nos índios pelo contato com os brancos, houve rapidamente grande diminuição da povoação indígena no território brasileiro. As tribos do sertão foram exterminadas quando do início da criação de gado na região, com os colonos acusando os nativos de roubar-lhes o gado. Poucas foram as zonas em que a colonização portuguesa foi feita em paz com os índios. Um exemplo é a colonização do Ceará, que nos primeiros anos do século XVII foi pacificado sem morticínios por um jovem capitão, Martim Soares Moreno, acompanhado por apenas cinco soldados e um capelão.

A regra nas terras sob domínio português era a barbárie aberta contra os índios. Contra isso levantaram-se logo os jesuítas, o que lhes causou não poucos problemas. O Pe. António Vieira (1608-1697), nascido em Lisboa mas criado no Brasil desde tenra idade, ao voltar em 1653 de sua formação em Portugal (onde chegou a ser confessor do Rei D. João IV) e ver a situação dos índios no Maranhão e no Pará, causou furor ao dizer com todas as letras aos portugueses que estavam todos em pecado mortal e iriam diretamente para o Inferno.

Quando voltou a Portugal exigiu do Rei que fossem protegidos os índios, conseguindo então em 1655 nova legislação coibindo os fortíssimos abusos cometidos contra estes povos. Com este poderoso auxílio, foi possível para os jesuítas evangelizar e aldear em 54 reduções cerca de duzentos mil índios. O próprio Pe. Antônio Vieira conseguiu pacificar, pela prédica sincera da Palavra, quarenta mil nativos da Ilha de Marajó. Os nativos eram aldeados e dedicavam-se, sob a tutela espiritual dos bons padres jesuítas, à criação de gado. Cedo, porém, a riqueza em gado e em terras dos índios provocou a inveja dos colonos portugueses, que viam seus antigos escravos em situação melhor que a deles próprios. Em 1661, os jesuítas (inclusive Pe. Antônio Vieira) foram expulsos do Maranhão e tiveram que voltar a Portugal. Cedendo aos colonos, o Rei permitiu que os índios fossem distribuídos para o serviço dos colonos. Apenas dezessete anos mais tarde, em 1680, conseguiu Pe. Antônio Vieira do novo Rei, D. Pedro II, nova legislação concedendo a terra aos índios "como senhores originais e naturais dela".

Em 1684, contudo, estourou nova revolta. Os colonos maranhenses, encabeçados por Manoel Beckman (o "Bequimão") e Jorge Sampaio, conseguiram novamente expulsar os jesuítas. Depois de debelada a rebelião e devidamente punidos (com a pena de morte) os líderes desta insurreição escravagista, os jesuítas viram-se contudo forçados a ceder parcialmente e permitir que os índios trabalhassem para os colonos seis meses por ano. Infelizmente foram também autorizadas expedições armadas para o interior, que na prática nada mais eram que expedições em busca de escravos em tempo integral.

Pe. Antônio Vieira foi também o responsável pela redação do Regimento das Missões, o regulamento que foi desde 1686 a regra a ser seguida pelos missionários, que passaram a buscar a evangelização e aldeamento dos índios nos seus lugares de origem, mantendo-os longe dos colonos. Quando chegaram outras congregações missionários, foi também por elas adotado este Regimento. A imensa maioria das cidades mais antigas do Norte brasileiro começou como aldeamento jesuíta.

É impressionante notar a relação direta entre a atividade missionários jesuíta e a formação étnica das regiões brasileiras. Nas regiões onde o contato inicial foi feito pelos jesuítas e por eles mantido (ou ao menos segundo o Regimento jesuítico), a imensíssima maioria da população é de origem étnica indígena; nas regiões onde os jesuítas chegaram após os colonizadores brancos, a população é mestiça de índio e branco; onde os jesuítas foram expulsos cedo, ou onde não houve presença jesuíta, a população indígena foi praticamente dizimada.

O mesmo pode ser dito acerca das regiões espanholas em que as tribos indígenas não estavam organizadas. Enquanto nas áreas sob domínio Inca e Asteca foi possível aos espanhóis a manutenção de uma estrutura hierárquica local, reformada para ser posta a serviço da Coroa espanhola, nas áreas anteriormente ocupadas por índios selvagens só persiste um largo componente étnico ameríndio nas regiões cuja evangelização foi feita pelos jesuítas. No Paraguai, território de responsabilidade quase exclusiva dos jesuítas, não apenas foi mantida ilesa a população nativa, como sua língua nativa é até hoje a língua comum.

As técnicas de penetração

Aos jesuítas não agradavam as técnicas espanholas que os franciscanos e dominicanos em geral aceitavam. A simples leitura por um intérprete de um texto que poderia ser resumido grosseiramente em "aceite a Deus e ao Rei como seus superiores por bem ou o faremos aceitar por mal" não lhes condizia em absoluto. As técnicas dos colonizadores portugueses eram-lhe ainda mais repulsivas. O objetivo dos jesuítas era, antes de mais nada, a conversão verdadeira dos índios. Tanto espanhóis quanto portugueses queriam reduzir os índios a escravidão; a única diferença era a maior honestidade dos portugueses, que não disfarçavam sob títulos pomposos e pseudo-misericordiosos os seus intentos.

Assim, os jesuítas procuraram manter-se longe dos colonizadores, trabalhando por conta própria. Armados apenas com seus utensílios sacros e alguns instrumentos musicais, os jesuítas adentravam as matas e caminhavam enormes distâncias, de modo a serem os primeiros a encontrar os índios. Encontrando-os, tocavam música para atraí-los. Atraindo-os, procuravam contar a eles a Boa Nova e convencê-los, sem jamais usar da força, a aderir à religião cristã.

Para isso eles aprenderam as línguas indígenas, compilaram dicionários e gramáticas, e chegaram ao ponto de criar uma língua nova, amálgama das línguas faladas pelos índios da costa brasileira, para que se tornasse possível a comunicação entre todas as tribos. A esta língua foi dado o nome de "Nheengatu", ou Língua Geral.

O objetivo dos jesuítas era a evangelização, não a europeização dos índios. Isso causou enormes dificuldades com os colonizadores, pois apesar da aceitação geral pelos índios evangelizados da suserania do Rei eles não se tornavam pequenos espanhóis ou pequenos portugueses. Não aprendiam a falar as línguas européias e mantinham todos os seus hábitos culturais que não fossem contrários à Lei Cristã. Era, em suma, criada uma nova cultura cristã de base indígena.

As missões e reduções

Em 1604, pregando aos colonizadores espanhóis em Assunção, o Pe. jesuíta Lorenzana despertou o ódio geral ao ameaçar com a cólera divina os espanhóis se não libertassem os índios que haviam escravizado em incursão pelo interior. Esta foi a gota d'água. A situação tornou-se tensa demais entre os jesuítas e a população espanhola; calúnias surgiram por toda parte, e algo precisava ser feito.

Por mais desagradável que tenha sido, entretanto, este incidente causou indiretamente um grande bem. Afinal, o Rei D. Felipe III já havia proibido em 1601 a escravidão indígena. Em 1606 ele exigiu o desenvolvimento do sistema reducional nos novos contatos com nativos, e reiterou esta ordem em 1609. Três anos depois, em 1607, o superior geral da Companhia, Pe. Cláudio Aquaviva, erigiu uma província nova da Companhia de Jesus: a Província do Paraguai, dedicava à evangelização dos índios no interior. Esta província, que começou com oito padres, já contava com 113 sacerdotes sete anos depois. Seu primeiro superior provincial foi o Pe. Torres, a quem o Visitador do Rei , D. Francisco de Alfaro, sugeriu a vinculação direta das novas reduções à Coroa, para libertar os jesuítas dos entraves causados pelos colonizadores e pelas autoridades cúmplices do tráfico de escravos.

Partindo assim das regiões dominadas pela Espanha, missionários jesuítas avançaram rumo ao sudeste, adentrando as amplas planícies dos Pampas e do Chaco. Nestas planícies, encontraram tribos indígenas semelhantes às existentes no território dominado pelos portugueses, não culturas desenvolvidas e hierarquizadas como haviam anteriormente encontrado os espanhóis no México e nos Andes.

Atraindo-os pacificamente, os jesuítas lograram construir o que já foi chamado "a utopia de mais longa duração": a República das Missões. "Reduzindo" os índios, ou seja, convencendo-os a viver em "reduções", em cidades construídas de pedra, os jesuítas edificaram uma verdadeira civilização cristã indígena em um território que hoje faz parte do Paraguai, Uruguai e Brasil. A língua dos índios - o guarani, até hoje falado por ampla parcela da população paraguaia - foi mantida; a autoridade de seus caciques foi respeitada; suas regras de vida, quando não contrárias ao Evangelho, permaneceram em prática. Uma nova civilização começou a desenvolver-se.

Estas missões, ou reduções, foram certamente um fenômeno único na história da América Latina. Afastando-se dos bárbaros colonos europeus, os jesuítas avançaram da antiga terra dos Incas a oeste, penetrando no atual território paraguaio, uruguaio, brasileiro e argentino. A "República Guarani", estabelecida pelos jesuítas sob a suserania do Rei da Espanha, tinha características administrativas ímpares. Séculos antes de qualquer outro Estado proibir a pena de morte, já era tal a regra nas Missões. A música, as artes, os ofícios mais variados eram ensinados pelos jesuítas aos índios. O talento natural dos nativos para as artes foi descoberto e desenvolvido à perfeição por seus mestres jesuítas. Basta dizer que foram construídas belíssimas catedrais, dotadas de órgãos de tubos; que foram organizados, treinados e ensaiados à perfeição corais de por vezes mais de mil cantores; que foram feitas orquestras; que até hoje a harpa, instrumento aristocrático por excelência, é no Paraguai instrumento popular entre os descendentes dos índios missioneiros.

Nas missões era a priori proibida a entrada de brancos; apenas os padres e irmãos jesuítas transitavam livremente por estes territórios. Esta medida visava evitar não apenas a captura dos índios pelo escravagistas espanhóis, como também a proteção dos nativos evangelizados contra o deletério efeito da pouquíssima moral da ralé colonizadora. Este foi um trabalho dificílimo em seu início; os feiticeiros, evidentemente, buscavam rebelar os índios contra os jesuítas; freqüentemente os índios que não haviam nascido nas reduções relapsavam em antigos hábitos e entregavam-se à embriaguez, ao canibalismo, ao assassinato. Com o tempo, porém, à medida que as novas gerações foram crescendo e suplantando os antigos, que lembravam da vida selvagem, estes problemas foram acabando, apenas para serem substituídos pelos choques com os espanhóis e, mais grave, com as criminosas excursões dos bandeirantes com o propósito de seqüestrar índios missioneiros e reduzi-los à escravidão.

A organização social das missões era, inicialmente, uma versão cristianizada da organização tribal; os caciques mantinham a sua autoridade, que pouco a pouco diminuía até ser atingida uma quase igualdade entre os índios. O padre não participava diretamente da administração secular senão como consultor com poder de veto. Suas sugestões eram evidentemente acatadas, mas as minúcias do governo eram deixadas nas mãos dos índios, que elegiam livremente seus líderes (os caciques viram-se aos poucos transformados em uma nobreza honorífica, sem direito de mando real).

Este não foi um trabalho fácil. Os padres chegavam a pé, sozinhos, armados apenas com seus utensílios litúrgicos, e atraíam os nativos pela música. Falando com eles em suas próprias línguas - para isso foram compostas pelos jesuítas gramáticas e dicionários -, era-lhes anunciada a Boa Nova. Atraídos então pelos padres para uma vida sedentária, os índios construíam, sob a orientação dos missionários, aldeias e cidades cujas ruínas até hoje não deixam de impressionar os visitantes. Estas cidades de pedra eram feitas do nada; cada ferramenta, cada martelo, era construído pelos índios com os materiais de que pudessem dispor, sob as instruções de mestres jesuítas.

As missões eram completamente auto-sustentadas. Criava-se gado, plantava-se o necessário, minerava-se e fundia-se o ferro. Os impostos eram pagos à Coroa espanhola em espécie, visto não circular dinheiro nas Missões. Tudo nestas vastas cidades indígenas era comum; não havia bens particulares, não havia selvageria. Os raros criminosos eram levados, ou melhor, iam de bom grado ao padre, que determinava sua punição. Após serem punidos, normalmente voltavam os índios para agradecer ao sacerdote.

Não se trata de pequenas comunidades de hippies com algumas dezenas de pessoas; o território missioneiro contava em 1700 com 73 religiosos nas 30 reduções já fundadas: 8 no atual Paraguai, 15 na atual Argentina e 7 no atual Rio Grande do Sul. Nelas viviam noventa mil índios, que formavam vinte e três mil famílias. Nos 158 anos que durou a República Guarani, houve apenas sete visitações episcopais.
Confrontos e inimizades

O maior inimigo das missões em seus primeiros anos foram os bandeirantes paulistas. As incursões escravagistas destes mercenários provocavam tamanho terror entre os índios que aqueles eram comparados por estes a demônios encarnados. Há até mesmo uma interessante amostra desta percepção - não de todo errônea - a ser vista ainda hoje em uma igreja gaúcha: uma escultura de S. Miguel Arcanjo em que ao invés de representar o Santo pisando em um demônio vencido ele é mostrado pisando em um bandeirante.

Os ataques bandeirantes tinham na verdade duas causas. Além da busca de escravos, objetivo primeiro dos aventureiros na ausência de ouro e pedras preciosas, havia por trás de tudo uma dura questão política. Os bandeirantes não eram mais portugueses; consideravam-se antes de mais nada paulistas. Somando-se a esta identidade primordialmente local o fato de que o Trono de Portugal esteve em mãos espanholas de 1580 a 1640, diminuindo mais ainda qualquer reconhecimento de autoridade superior por parte dos aventureiros, e o apoio dos colonos portugueses e espanhóis, que não viam com bons olhos as reduções cheias de índios enquanto eles trabalhavam sem auxílio escravo, as incursões bandeirantes eram também afirmações do domínio territorial que desejavam ter naquelas regiões. A Coroa Espanhola, que acabaria por lucrar mais cedo ou mais tarde com os frutos das minerações bandeirantes, fechava normalmente os olhos a tais incursões. Estavam assim os índios e os jesuítas forçados a defender-se por sua própria conta e risco, com as armas que pudessem fabricar e valendo-se apenas de suas próprias forças, sem esperança de auxílio exterior.

Durante o período de união das coroas ibéricas foram muitos os ataques dos bandeirantes. A partir de 1628 eles foram se tornando progressivamente mais graves; em uma só incursão, certa feita, foram capturados e escravizados pelos paulistas trinta mil índios missioneiros. No período de dois anos que vai de 1628 a 1630 foram raptados ao todo cerca de sessenta mil índios. As reduções da região de Guaíra, no atual território brasileiro, tiveram que ser abandonadas em 1631, quando os padres Montoya e Mendoza encabeçaram uma multidão de doze mil índios, atravessando selvas e lugares onde até hoje não há estradas para fugirem da sanha bandeirante e refugiar-se nas missões situadas juntos aos rios Paraná e Alto-Uruguai.

Em 1639, às vésperas da separação de Portugal e Espanha, a Coroa espanhola permitiu que os índios usassem armas de fogo. Foram então fabricados arcabuzes e outras armas leves, com as quais poderiam finalmente defender-se das incursões predadoras dos bandeirantes.

A maior batalha entre os missioneiros e os paulistas, com avassaladora derrota destes, foi a Batalha de Mbororé, no dia 11 de março de 1641. No Rio Uruguai enfrentaram-se 800 bandeirantes acompanhados por seis mil índios tupis, seus aliados, e quatro mil guaranis missioneiros. Os bandeirantes portavam todos armas de fogo; os tupis usavam azagaias e flechas, e os guaranis tinham, ao todo, 57 arcabuzes. A estes, porém, somavam-se engenhosos canhões feitos de bambu grosso envolto em couro, que atiravam balotes de pedra com peso e força suficiente para fazer naufragar uma canoa.

Ao ver aproximarem-se os bandeirantes, o líder guarani, Cacique Inácio Abiaru, avançou com poucos guerreiros e bradou ser uma vergonha que gente que se dissesse cristã quisesse escravizar a outros cristãos. A isso nada respondeu o chefe bandeirante, capitão-mor Manoel Pires. A batalha então começou. Dois dias de batalha ininterrupta depois, vendo as balas de pedra dos canhões de bambu arrasando suas tropas; recebendo o fogo certeiro dos arcabuzes dos guaranis; sofrendo tamanha chuva de flechas que mal podiam sair de seus abrigos, os bandeirantes procuraram convencer os missioneiros que não eram escravagistas, estavam apenas em busca de outros bandeirantes desaparecidos naquela região. De nada lhes valeu a artimanha. Foram desbaratados, e fugiram de volta ao planalto paulista com os guaranis em seus calcanhares. Durante muito tempo não voltaram os bandeirantes a atacar as reduções.

Começava então a fase áurea das reduções. A maior parte dos índios já havia nascido nas missões; os antigos hábitos de canibalismo, roubo, estupros já haviam sido abandonados, e tudo isso já não mais ocorria.

Um problema de natureza diferente, porém, impedia o pleno florescimento desta belíssima civilização cristã guarani. A incerteza das fronteiras traçadas pelo Tratado de Tordesilhas fazia do direito de posse o verdadeiro indicador de soberania. Portugal e Espanha cobiçavam aquelas terras férteis, consideradas como suas de direito por ambos os lados. Como os jesuítas que povoaram a região haviam saído de território espanhol e pertenciam a uma província eclesiástica sediada em Assunção, cidade incontestavelmente pertencente à Espanha, a vassalagem da República Guarani era prestada aos Reis de Espanha. Seus impostos iam para a Coroa Espanhola, e pela Coroa Espanhola foram nomeados defensores da fronteira oriental.

Isso não era visto com bons olhos pela Coroa portuguesa, que ambicionava aquelas terras. Durante cem anos persistiu a questão de fronteira, com os índios guaranis das Missões defendendo ardorosamente seu território contra os ataques das tropas portuguesas e paulistas e dos maus colonizadores espanhóis.

O fim das Missões e da Companhia

Os colonizadores portugueses e os paulistas, como já vimos, não viam com bons olhos aquele gigantesco enclave armado e auto-suficiente em uma terra que consideram sua por direito. Os colonizadores espanhóis, porém, tampouco aceitavam de bom grado a presença das reduções, que os privavam de mão-de-obra escrava (ilegal, mas amplamente utilizada). Além disso, quando de uma sublevação em Assunção em 1753, quando se instaurou uma Comuna independente, o exército guarani sitiou a cidade e a fez retornar à submissão à Coroa, o que evidentemente não contribui para aumentar sua popularidade entre os habitantes. As acusações foram tamanhas que foi ordenada em Madri uma investigação completa, cujo resultado foi favorável aos guaranis.

Em 1750, finalmente, foi assinado o Tratado dos Sete Povos, que expulsou do atual território brasileiro as sete reduções jesuíticas. Foram expulsos de nosso território os trinta mil habitantes que se viram forçados a abandonar os corpos de seus ancestrais em cemitérios tomados depois pelo mato, a abandonar suas imensas plantações, a esvaziar edifícios lindíssimos construídos pelo trabalho de gerações de índios cristãos. Foi forçado a sair do atual território brasileiro, por medo de ser escravizado, o único povo que não tinha pena de morte em sua legislação, o povo que fazia as mais belas obras de arte, o povo que produziu os primeiros impressos de toda a América.

Doze anos depois, em 1762, o Tratado foi revogado e o território dos Sete Povos voltou à Coroa espanhola. Os índios puderam voltar, mas por pouco tempo. Em 1767, o Conde de Aranda determinou a expulsão dos jesuítas dos territórios da Coroa da Espanha. O Marquês de Bucarelli, governador de Buenos Aires, recebeu a incumbência de efetuar a expulsão, com instruções determinando que ele fosse morto se ao fim do ano restasse algum jesuíta, ainda que doente ou à beira da morte, em sua área. Esquadrões de cavalaria fizeram ser cumprida a ordem, levando embora os jesuítas - muitos dos quais já haviam esquecido suas línguas nativas e só sabiam o guarani e o latim - em meio às lágrimas dos valentes índios, que não ousavam levantar-se contra o Rei de Espanha que tantas vezes haviam defendido.

As reduções passaram à administração colonial espanhola, terminando com o belo trabalho de já mais de século e meio dos jesuítas. Os índios aos poucos foram se afastando, e hoje as Missões são apenas as impressionantes ruínas de elevadíssima civilização.

Nos territórios submetidos à Coroa portuguesa, a queda dos jesuítas foi quase simultânea. O Marquês de Pombal, maçom fervoroso e iluminista às raias da caricatura, ordenou a expulsão sumária dos jesuítas de todo o território português, acusando-os de tentativa de regicídio. Em 19.I.1759 foram confiscados todos os bens da Companhia nos territórios portugueses. Em 3.IX.1759, foram expulsos todos os padres. Isso foi feito de maneira tão violenta e brutal que o próprio Voltaire afirmou que "l'excès du ridicule et de l'absurdité y fut joint à l'excès d'horreur".

A campanha contra os jesuítas, na verdade, era universal. Alvo dos mais ferozes ataques de todos os hereges, dos protestantes aos iluministas, os filhos de Santo Inácio de Loiola acabaram por sofrer o mais baixo de todos os golpes pela mão do Papa Clemente XIV (1769-1774), que fôra eleito com apoio dos governos antijesuítas. O irmão do Marquês de Pombal foi feito Cardeal, e a Companhia de Jesus foi extinta. O superior Geral da Companhia, Pe. Lourenço Ricci (1758-1773), foi encarcerado no Castel Sant'Angelo, onde passou o resto de seus dias. Foi o momento mais negro da história do Papado, e o fim da Companhia de Jesus tal como estabelecida por Santo Inácio. O caminho estava livre para Revolução que alguns anos mais tarde banhou a França em sangue. Abriram-se as portas para a lenta transformação da Cristandade na barbárie do Século XX.

Fonte:

RAMALHETE, Carlos. Os Jesuítas na América latina. Blog A Hora de São Jerônimo. Disponível em: http://hsj-online.blogspot.com/2011/03/os-jesuitas-na-america-latina.html Acesso em: 25 Junho 2011.