quarta-feira, 12 de maio de 2010

Ex-Protestante Robert Ian, Testemunha sua Conversão ao Catolicismo

Espero que este testemunho ajude os católicos a entender a mentalidade “evangélica” e também ajude os evangélicos a pensar um pouco sobre o problema central: a autoridade" Comente este conteúdo.


“Como você pôde fazer isto? É serio mesmo a sua conversão? Você agora idolatra Maria? Como você pode contar os seus segredos mais íntimos a outro homem na confissão? Por que você se converteu? Como você pode aceitar ensinamentos que não se encontram na Bíblia?”

Estas são algumas perguntas que tenho recebido desde que fui recepcionado na Igreja Católica. À medida que vão passando os anos, têm se tornado mais freqüentes desde que decidi colocar os fatos no papel para informar os curiosos.

Minha filiação à Igreja Católica não foi uma conversão paulina, como a ocorrida no caminho de Damasco. Embora seja certo que Deus pode fazer coisas assim, meu caminho para a fé romana foi uma experiência educativa e gradual. A conversão é, em suma, um assunto espiritual, porém, muitos fatores podem contribuir para que ocorra. Meu desagrado pela confusão em que se encontra a cristandade evangélica foi o ponto de partida. Creio que foi a graça de Deus que me permitiu discernir a debilidade desse sistema religioso.

Mas antes que a minha insatisfação se fizesse sentir, estava eu muito feliz no Cristianismo evangélico. Confiava em Cristo, acreditava que os meus pecados seriam perdoados e pensava que conhecia os Evangelhos e o Novo Testamento. Pensava também que todas as demais religiões estavam erradas e via a Igreja Católica como uma igreja apóstata, cheia de corrupção medieval, que obscurecia o Evangelho para a ruína das almas. Estava convencido que a Palavra de Deus na Bíblia era a única autoridade para o crente (Sola Scriptura) e que eu era justificado apenas por minha fé e nada mais que a minha fé (Sola Fide). Estes eram para mim os principais lemas da batalha da Reforma. Quando encontrava algum católico, ia logo mostrando a “verdade” e tentava levá-los ao conhecimento de Cristo. Eu era tão anticatólico que me negava a orar na capela existente na universidade onde dava aula. Sabia que a União Evangélica Cristã buscava converter os católicos e pensava, então, que todo assunto católico era nada mais que pura hipocrisia.

Porém, a graça de Deus começava a operar em meu coração. Tudo começou com o tema do batismo. Os cristãos evangélicos estão bastante divididos a este respeito. Alguns aceitam o batismo de crianças e outros crêem que o batismo é apenas para o crente adulto. Estudei os fatos e não encontrei nenhuma referência explícita ao batismo de crianças no Novo Testamento; assim, decidi investigar quanto tinha sido inserida esta prática entre os cristãos. Será que poderia remontar aos tempos dos Apóstolos ou tinha se infiltrado na Igreja durante os primeiros séculos? Ao seu tempo, descobri que o batismo de crianças era claramente apoiado pelo registro histórico. Se tivesse sido uma inovação, deveria então existir algum protesto contra a sua introdução na Igreja. Não pude encontrar nem um só grupo cristão anterior ao século XVI que rejeitasse o batismo das crianças. E até descobri que estes primeiros cristãos batistas apenas aspergiam a cabeça do adulto ao batizá-lo. Achei que a imersão (que também era um ponto importante para alguns evangélicos) não tinha sido iniciado até o século XVII. Descobri, então, que as igrejas batistas eram frágeis quanto ao rigor e a continuidade histórica.

Assim, rejeitei o batismo “apenas para adultos”. Para mim, isto era uma parte crucial da verdade e comecei a tentar convencer os evangélicos batistas agora que tinha conhecimento do erro de suas crenças. Alguns me disseram que eu estava obcecado por um assunto de importância secundária. Isto me chocou! Como poderia um mandamento solene de Jesus Cristo ser considerado como de importância secundária? Fiquei assombrado quando o renomado líder evangélico Martyn Lloyd-Jones, em seu livro “What Is an Evangelical?” (”O que é um Evangélico?”) comentou sobre o assunto da desunião das igrejas evangélicas, dizendo: “Outro assunto que devemos pôr na mesma categoria é a idade e o modo do batismo: a idade do candidato e o modo de administrar o rito do batismo. Devo pôr, então, na categoria das coisas que não são essenciais porque não se pode provar nem um nem outro usando apenas as Escrituras. Lí livros sobre o tema durante 44 anos e creio que sei menos agora do que sabia no começo. Portanto, enquanto afirmo - junto com todos nós - que creio no batismo, porque é evidentemente uma ordem de Deus, não devemos nos separar no que tange à idade do candidato e ao modo de administrá-lo”.

Aqui temos um homem que, crendo na autoridade da Bíblia como única condutora do crente, não pôde estabelecer o padrão bíblico para o Batismo. Isto é o que eu chamo de “aprender e não chegar ao conhecimento da verdade”. Ironicamente, na mesma obra, Lloyd-Jones ensina a suficiência da Escritura e que o Evangelicalismo é muito mais claro em sua lógica que o Catolicismo! Isto me fez olhar para outras discordâncias que existem entre os evangélicos. Se fossem apenas assuntos secundários, não haveria a necessidade de criar denominações separadas, cada qual esgrimando diferentes teorias para o retorno do Senhor, para o significado da Ceia do Senhor, se o crente pode ou não pode perder a sua salvação, ou as disputas sobre os dons carismáticos. A lista é longa.

A minha formação acadêmica é a de historiador e, como tal, me concentrei na História da Igreja. Não pude deixar de me assombrar quando vi que não podia encontrar nem um só registro do cristianismo evangélico na Igreja anterior ao século XVI. Nem mesmo os valdenses e os seguidores de Wyclif tinham idéia da salvação apenas pela fé. Ambos os grupos participavam dos sacramentos da Igreja Católica e passaram como movimentos de reforma dentro da Igreja e não como igrejas separadas. Nenhum dos Padres da Igreja pregou a salvação somente pela fé. O próprio Wyclif morreu enquanto participava de uma missa, sem ter sido batizado como crente e contente com seu batismo católico que recebera quando criança!

A teoria de que a conversão do imperador romano Constantino no século IV deu início à corrupção da Igreja é ainda mais inacreditável. Descobrí que a Igreja primitiva cria no batismo das crianças, na regeneração pelo batismo, nos bispos, na sucessão apostólica, na presença de Cristo na Eucaristia, no sacerdócio sacrificial, nas orações pelos falecidos e de um papel todo especial do bispo de Roma. Tudo isto se encontra claramente séculos antes de Constantino. Nas palavras do Cardeal Newman, “quem adentra na História, deixa de ser protestante”. Não pude achar um só registro dos evangélicos bíblicos, um grupinho de fiéis que se apegaram às crenças que caracterizam os evangélicos de hoje: somente a Bíblia e justificação apenas pela fé. O tratamento evangélico para a História da Igreja é superficial: nos fala de pessoas como Ambrósio, Agostinho e Atanásio como se fossem cristãos que apenas empregavam a Bíblia, ignorando completamente o contexto católico em que eles viveram. Classifico isto como intelectualmente desonesto.

Descobrí que a história dos evangélicos está assentada sobre mitos. A Igreja Católica - me afirmavam - tinha queimado as cópias da Bíblia. Pelo contrário, comprovei que a Igreja Católica preservou a Bíblia, definindo o seu cânon e só queimou e proibiu a leitura das edições que eram traduções inexatas e heréticas. Por exemplo, Bíblias como a tradução de Tyndale, que ostentava notas de rodapé atacando a Igreja e o Papa. Também descobrí versões traduzidas para os idiomas vernáculos vários anos antes da reforma alemã. Os Evangelhos foram traduzidos para o anglo-saxão muito antes que o idioma inglês fosse formado!

Também descobrí que o famoso “Livro dos Mártires”, de John Fox, um católico apóstata do século XVI, era impreciso. Muitos dos “martires” durante o reinado de Maria Tudor eram anti-ortodoxos, tendo sido queimados durante o reinado da rainha Isabel, que era protestante. De fato, Fox apoiou um regime que torturou e assassinou católicos que apenas queriam viver na fé dos seus antepassados. Apoiou também um regime que queimou cristãos evangélicos como os batistas! Foram cristãos protestantes os que perseguiram os pais do Puritanismo na Inglaterra do século XIX e esse grupo, por sua vez, já estabelecido na América, passou a perseguir os seus próprios companheiros de fé.

Eu tinha aceito a falsa idéia perpetuada por Lloyd-Jones e outros mestres evangélicos, que os católicos crêem na revelação contínua. Descobrí que, muito pelo contrário, a doutrina católica ensina que a revelação pública terminou com o que receberam os Apóstolos e que a fé foi entregue de uma vez aos santos. É dever da Igreja, como “coluna e fundamento da verdade” (1Timóteo 3,15), a interpretação e o discernimento do depósito original da fé. A Igreja Católica não inventou a transubstanciação no século XII, nem inventou o dogma trinitário no século IV. Como evangélico, fiquei perplexo ao me encontrar na mesma situação dos Testemunhas de Jeová que afirmam que a palavra “Trindade” não se encontra na Bíblia. Eu imaginava que a doutrina estivesse ali e o termo simplesmente a definia. Porém, acabava tendo por problema o fato de não poder usar este argumento para discutir a questão do Purgatório com um católico. Eu acabava respondendo que o caso do Purgatória não podia ser definido claramente. Mas esta era uma resposta bastante deficiente pois era subjetivamente evangélica. Além disso, Lutero, Calvino, Wesley e uma certa quantidade de outros reformistas “enxergavam” o batismo das crianças, enquanto que Spurgeon, Billy Graham e muitos outros não o encontravam na Bíblia. O ensinamento católico era mais lógico: Deus estabeleceu uma Igreja como árbitro final e não pode ela ser culpada pela confusão. O desenvolvimento da doutrina é como a revelação de um filme fotográfico: a imagem está no filme, mas à medida que o tempo e as circunstâncias mudam, a imagem se torna mais visível.

Não pude encontrar um só texto que afirmasse que apenas a Bíblia era suficiente. A famosa passagem que afirma que a Escritura é útil (2Timóteo 3,16) significa claramente que é um apoio, não que seja suficiente. Assim como é útil para mim beber água regularmente, mas não é suficiente como a alimentação completa. Não pude encontrar um só versículo que ensinasse que a Palavra de Deus deveria ser exclusivamente a palavra escrita. Mas encontrei Jesus honrando as tradições da fé judaica de sua comunidade, que não se encontravam na Escritura; sua condenação das falsas interpretações das tradições feitas pelos fariseus não era uma condenação da tradição em si mesma, já que a Igreja que Ele fundou sobre os Apóstolos aceitou tanto as tradições escritas [Escrituras] quanto as orais.

Nesse momento decidi reexaminar a minha crença em Cristo. Seria possível alguém ter sido enganado? Seria possível que Cristo fosse um falso Messias? Depois de todos os judeus O terem negado, poderia o povo mais brilhante e durador do mundo ter se equivocado? Portanto, comecei a ler apologética judaica contrária ao Cristianismo, que centrava seus ataques principalmente afirmando que as profecias sobre o Messias não tinham se cumprido; afirma ainda que Jesus nunca declarou ser Deus e que os seguidores gentios acrescentaram “conceitos pagãos” como o nascimento virginal e a Encarnação. Isto me fascinava porque se parecia muito com as acusações que os anticatólicos fazem, dizendo que essas mesmas coisas são acréscimos pagãos. Passei a ver isto como a culminância lógica da teoria evangélica: se o Paganismo contaminou o Cristianismo, então como pode um ensinamento divino e permanente ser comparável à incorruptível Torah? Outro livro anticristão me levou ainda mais para essa direção ao me questionar: se a religião de Cristo é a verdade, por que existem tantas igrejas cristãs diferentes? Assim enxerga o Cristianismo o intelectual judeu: como um fracasso.

Então voltei novamente a observar Cristo. Não poderia rejeitar sua divindade. Poderia ver que o Novo Testamento ensinava que Ele é Deus e isto não era um acréscimo pagão. O judaísmo moderno não é igual ao judaísmo da época de Nosso Senhor; é algo que se desenvolveu com o tempo e que também se dividiu em seitas. Inclusive, dentro do judaísmo ortodoxo há interpretações rabínicas que estão em conflito. Continuei me apegando fervorosamente à minha crença no Cristianismo “apenas com a Bíblia”. A forma de vida e a comunidade evangélicas são muito acolhedoras e, para mim, os cultos católicos pareciam frios quando comparados. Ao mesmo tempo, me desiludia cada vez mais da apologética anticatólica. Livros como “Catolicismo Romano”, de Loraine Boettner (um clássico anticatólico), apresentavam grosseiras distorções da realidade da doutrina e história [católicas]. Lembro-me de ter lido um livro evangélico que ridicularizava a doutrina católica da intenção sacramental. Na verdade, ridicularizava uma má representação dessa doutrina. A interpretação evangélica clássica dos textos petrinos cruciais, como Mateus 16, fundamenta-se em uma visão defeituosa e, então, eu já podia vê-la claramente. O jogo de palavras entre “Petros” e “petra” era periférico, uma vez que Nosso Senhor falava aramaico. A maioria dos eruditos evangélicos de hoje aceita a visão de que Pedro é a pedra e que recebeu as chaves da autoridade de uma maneira especial, pois assim como os antigos reis de Israel delegavam suas chaves de autoridade ao seu principal ministro ou vizir, Jesus designou Pedro como seu representante ou vigário. As chaves, em qualquer cultura civilizada, representam poder. Me dei conta que distorciam os escritos dos Padres da Igreja para fazê-los harmonizar com seus argumentos anticatólicos.

Há algumas pessoas que propõem a idéia de que os Padres da Igreja estão em desacordo com a idéia de Pedro ser a pedra de que fala Mateus 16. Um exame cuidadoso dos escritos patrísticos revela que se referem a diversos aspectos e significados das Escrituras; assim como uma casa é construída sobre uma série de alicerces, os escritores patrísticos observam os diferentes sentidos da Escritura sem se contradizer em absoluto.

Ao contrário do que anunciava o mito evangélico, encontrei aí evidência histórica abundante para a presença de Pedro em Roma e o estabelecimento de seu Bispado. Ao ouvir Nosso Senhor dizer [a Pedro] que a carne e o sangue não lhe tinham revelado sua divindade, podemos ver o dom de Deus que é o Papado em sua forma embrionária. Me surpreendeu encontrar, já desde o século I (quando o Apóstolo João ainda vivia), que o bispo de Roma escrevesse à igreja de Corinto, instruindo e advertindo seus membros que, se não considerassem o seu conselho, estariam em grave perigo. Com o passar dos séculos, a evidência do Papado aumenta. Então descobrí que havia respostas razoáveis para as objeções evangélicas. Lembro-me muito bem do comentário que lí em um “livro de visitas” de certa igreja anglicana; foi escrito, obviamente, por um visitante católico e dizia: “Onde está Pedro, aí está a Igreja”. Essas palavras que ficaram gravadas na minha mente, eram as palavras de Ambrósio, proferidas no século IV. A igreja angligana pode ter conservado os edifícios católicos erguidos antes da Reforma, porém, certamente, não conservou a antiga fé. Apesar de sua “cara de Catolicismo”, a igreja anglicana do século XIX é protestante. Isso se manifesta na ordenação de mulheres e outras aberrações que nela tomaram forma. O papel de Pedro chegou a estar tão claro para mim, que nem sequer conseguia considerar a pretensão das igrejas ortodoxas orientais de ser a verdadeira Igreja de Cristo. Nessas igrejas (ou, melhor dizendo, nessas comunhões) pude apreciar uma formosa liturgia, mas também uma falta de clareza magisterial. Por exemplo, até a década de 1930, as igrejas cristãs rejeitaram claramente a anticoncepção como uma coisa instrinsicamente imoral. Em 1930, a igreja anglicana a aprovou e outras [igrejas] a seguiram a partir de então. Isso inclui os ortodoxos, que também aceitam o divórico e as segundas núpcias. Apenas a Igreja Católica manteve uma posição firme nesses assuntos e isso sob o custo de perder a Inglaterra no século XVI.

Os ortodoxos abandonaram o sucessor de Pedro para se apegar ao poder imperial de Constantinopla. Depositando sua confinça nos príncipes, colheram finalmente um fracasso. Enquanto todas estas coisas me indicavam, sem sombra de dúvidas, que a pedra da Igreja Católica era firme, o liberalismo de algumas pessoas dentro da Igreja me pertubava. Então, ao ler a parábola da casa construída sobre a pedra, me dei conta que a chuva e o vento a ferem também. Os excêntricos e os dissidentes, porém, não podem demolir a casa; podem tirar-lhe pedaços da pedra, mas não a pode destruir. Assim foi que descobrí, pararalelamente ao que ocorreu com Nosso Senhor, que a oposição se concentra em três áreas principais. Durante o ministério terrestre [de Jesus], as autoridades religiosas se horrorizaram diante:

1. Das suas declarações de ser Deus;

2. Do fato de que perdoava os pecados; e

3. De sua declaração que, para ter a vida eterna, deve-se comer de Seu Corpo e Sangue.

Tudo isto continua sendo a razão de uma oposição virulenta entre os evangélicos. Lembro-me muito bem que, quando era evangélico, ironizava o ensinamento católico da confissão a um sacerdote, da crença na transubstanciação, na Missa, na infalibilidade do papa e da Igreja. Lembro-me de ter refutado, afirmando que apenas Deus poderia ser infalível.

Meu exame cuidadoso das Escrituras me mostrou também que a doutrina católica sobre Maria se fundamenta na Palavra de Deus e não é importada do Paganismo. O fato de os pagãos terem cultuado deusas não invalida a crença em Maria, assim como o fato de os pagãos terem realizado sacrifícios não invalida os sacrifícios ordenados na Bíblia. Pude perceber que os católicos não a adoram mais que os anglicanos adoram a Oliver Cromwell, quando estes colocam flores aos pés de sua estátua nos dias comemorativos.

A doutrina católica da comunhão dos santos chegou a ser para mim uma verdade estabelecida. Se “a oração do justo tem muito poder” então aqueles que morreram no Senhor, sendo espíritos perfeitos de homens justos, devem possuir um valor superlativo para nós. Isto é ilustrado perfeitamente em Apocalipse 5, em que os 24 anciãos representam os santos que oferecem suas orações a Deus. Antes de ingressar na Igreja Católica, uma das últimas linhas de resistência evangélicas é levantar as vidas de certos católicos que são bastante desastrosas. Essa objeção me foi dissipada ao ler Ronald Knox. Knox foi criado em um ambiente profundamente evangélico e logo se converteu ao Catolicismo. Uma vez disse que se ele esquecesse o guarda-chuva na entrada de um templo metodista, ao retornar encontrá-lo-ia ainda ali; porém, não seria possível assegurar que o mesmo ocorreria em um templo católico. Os metodistas usaram muitas vezes esta frase a seu favor; contudo, na realidade, é um testemunho contrário a eles. Cristo veio para salvar os pecadores e a rede da Igreja foi lançada para pescar todos os homens. A Igreja não é um clube para leitores da Bíblia de classe média; a Igreja de Jesus Cristo é uma poção misturada e o erro dos reformistas foi acreditar que a Igreja deve ser composta 100% pelos eleitos de Deus.

Nosso Senhor disse claramente que “muitos são chamados, mas poucos os escolhidos”. Ainda que seja certo que conheci alguns católicos bastante desviados da fé, também é certo que a grande maioria dos católicos são pessoas de bem que querem viver a vida em conformidade com os ensinamentos da Igreja. O fato de muitos católicos desobedecerem os ensinamentos da Igreja só confirma as palavras de Nosso Senhor: “A quem mais se dá, mais lhe será exigido”. São os católicos os que terão um juízo mais severo, iniciado pela Casa de Deus, quando o Senhor, no fim dos tempos, separar o trigo do joio.

Comecei a perceber que, tal como os fariseus do tempo de Jesus, os evangélicos tinham um ponto de vista superficial sobre a adoração de Jesus. Isto pode soar um pouco duro, mas de fato muitos cristãos “bíblicos” acumularam uma série de regras que condenam comportamentos certamente inofensivos, como se fossem anticristãos. Primeiro, se favorece a opinião de que ingerir algo é pecado e logo se ensina que Jesus bebeu apenas suco de uva, e que o vinho do milagre de Caná não tinha teor alcóolico. A outro pode parecer que dançar é abominável. Pode-se escrever uma longa lista de costumes semelhantes. Há evangélicos que pensam que fumar é evidência de que alguém não é crente, mas Spurgeon, comentarista batista do século XIX, fumava. Outros não jogam na loteria, mas investem seu dinheiro na bolsa. É quase impossível criar um estereótipo do crente evangélico, mas é possível dizer com segurança que a grande maioria aceita a anticoncepção. Pagam o dízimo de seu ganho a Deus (o evangelismo não custa barato a ninguém), mas não de seus corpos. Todo o sistema da “Sola Scriptura” é subjetivo. Foi-me contada uma história sobre uma senhora a quem alguém perguntou se acreditava realmente que ela e seu empregado eram os únicos cristãos, ao que ela respondeu: “Bom… Não estou muito segura se Jaime é”.

Não estou sozinho, pois nos últimos anos muitos evangélicos tradicionais converteram-se à fé católica. E o fizeram ainda que o caminho para a Igreja estivesse bloqueado por falsas representações semeadas pela oposição. Isto é seguramente uma graça de Deus, pois sempre haverá oposição para aqueles que quiserem cumprir perfeitamente as palavras de Nosso Senhor. A oposição provém das forças do secularismo, do materialismo, do modernismo e de outras filosofias. Tudo isto rejeita os ensinamentos que são peculiares à Igreja Católica. A Igreja é a pedra pequena predita pelo profeta Daniel, que destruirá a falsa imagem. É a semente que cresce até se tornar uma forte árvore. É o caminho que Isaías profetizou e que os homens não poderão deixar de encontrar. É a casa erguida sobre a rocha.

O Cardeal Herbert Vaughan (1832-1903) resumiu com palavras muito sábias o que usarei como corolário:

“É prática comum dos opositores da Igreja Católica tentar frear as almas apresentando-lhes uma multidão de dificuldades e objeções contra as doutrinas da Igreja. Sobre isto, podemos dizer duas coisas: Primeiro, seria muito fácil examinar esta lista de dificuldades e publicar um exame das mesmas, o que já foi feito por doutos católicos em grandes obras. Porém, é óbvio que para contender com tais problemas, deveria ser um teólogo ou passar toda a vida pesquisando, já que é necessário refutar todas as acusações. Por outro lado, temos as obras dos escritores anticatólicos, escritas para cegar ou confundir o caminho. Obras compostas por calúnias, citações adulteradas e uma mistura cuidadosamente dosificada de erro e verdade. Tais [obras] tentam, ao mesmo tempo, golpear e alienar tanto no sentido moral quanto no sentido intelectual. Se não conseguem total êxito assim, ao menos semeam perplexidade, ansiedade e o retardamento no caminho da busca de Deus. Porém, ao invés de ingressar em um labirinto cheio de dificuldades e quebra-cabeças de objeções, a via mais curta e satisfatória deverá ser eleita. Primeiro, encontrar o divino mestre, o pastor supremo, o vigário de Cristo. Concentre todas as suas faculdades mentais e morais na cabeça terrestre da Igreja de Deus. Essa é a chave para resolver esta situação”.

Fonte: http://piox.net/testetmunhos/testemunho-de-robert-ian-ex-protestante.html

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Uma avaliação do “tradicionalismo” e o anti-vaticano II, (D. Estêvão Bettencourt OSB)

Ao resenhar o livro “O Concílio da Apostasia” do Sr. Homero Johas, o saudoso D. Estêvão aponta os desvios do assim chamado “tradicionalismo”. (*) Havia aqui, até hoje, um link remetendo a outra obra do Sr. Johas. Mas, pelo fato de o Editor tê-lo tirado da web – direito todo seu – resolvi fazer o mesmo por motivo de justiça.


Leia abaixo, na íntegra, o lúcido artigo de D. Estêvão.

REVISTA “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” Nº 513, Ano 2005, Página 138 ss.

Em síntese: O autor rejeita o Concílio do Vaticano II por julgá-lo infestado pela Maçonaria e por seitas anticristãs. Condena a Declaração referente à liberdade religiosa, a tese do colegiado dos Bispos, o rito da Missa aprovado por Paulo VI… afirma estar vacante a sé papal e aguarda um futuro Papa legítimo. O presente artigo tenciona dissipar os equívocos subjacentes às recusas do Sr. Johas e de cristãos perplexos.

O Sr. Homero Johas é autor do livro “Concílio da Apostasia”; com subtítulo “uma falsa religião católica. Inimigos da Igreja disfarçados de católicos”, editado por “Coetus Fidelium (Grupo de Fiéis)”. É obra angustiada, que agride com veemência a atual hierarquia da Igreja, julgando-se infiltrada pela Maçonaria e por seitas anticristãs. A sede papal em Roma estaria vacante desde a morte de Pio XII (1958). O autor ama a Igreja, quer fazê-la mais amada, mas… a Igreja que parou em 1958 com Pio XII.

O ponto sobre o qual mais se apóia a corrente de Homero Johas é a afirmação da Liberdade Religiosa por parte do Concílio; esta parece-lhe acarretar indiferentismo e relativismo religiosos. Trataremos longamente dessa temática no próximo número desta revista. Os demais pontos preconizados pelo Concílio do Vaticano II e contestados pela corrente tradicionalista vão, a seguir, considerados.

1. Liberalismo

O Liberalismo é um movimento inspirado pela afirmação da plena liberdade nos setores filosófico, teológico e político. Despontou no século XVII e prevaleceu na Europa desde a Revolução Francesa (1789).

Por “liberdade” entendem os liberais a emancipação frente a qualquer tutela que não provenha do consenso dos homens. No campo filosófico, isto significa o primado absoluto da razão, que estaria habilitada a julgar até os artigos de fé.

A Revolução Francesa (1789), com seu lema “Liberdade, igualdade, Fraternidade”, depôs a monarquia absolutista dos reis Luís XIV, XV e XVI e promoveu a democracia. Ao mesmo tempo, porém, perseguiu a Igreja e propiciou a impiedade na França e nos países por esta influenciados. O liberalismo era tido como a proclamação de maior idade e maturidade para nações que até então haviam sido governadas de maneira paternalista. No setor político, em oposição ao chamado “direito divino dos príncipes” segundo o qual o rei só deve prestar contas a Deus (por conseguinte, é absoluto na terra), propalou-se a teoria de que “o Estado é fonte de todos os direitos” (proposição condenada por Pio IX no Silado nº 39). Em conseqüência, alguns opositores do Liberalismo passaram a defender “o trono e o altar” associados contingentemente.

No campo religioso, o liberalismo do século XVII tinha seu precedente na teoria luterana do “livre exame da Bíblia”, que recusava qualquer forma de magistério da Igreja. Como dito, o liberalismo chegou a proclamar a liberdade de cada um para julgar a religião sem instância superior à razão individual – o que foi condenado pelo Silado de Pio IX nº 14.39-74.

O passar do tempo contribuiu para que se distinguissem no Liberalismo o sadio e o inaceitável: em particular, deve-se dizer que a pessoa humana merece respeito; o Estado deve contribuir para a auto-realização pessoal dos cidadãos; compete-lhe, porém, exercer o controle necessário para que o bem particular ou mesmo o individualismo subjetivista não prejudique o bem comum. Por conseguinte, vê-se que o Liberalismo é suscetível de acepções diversas. Na medida em que apregoa o respeito à pessoa humana, é portador de um princípio verídico. Todavia pelo fato de exagerar tal respeito, emancipando de Deus o homem, falha lamentavelmente.

A Declaração Dignitatis Humanae não nivela verdade e erro; ao contrário, afirma a obrigação de se procurar a verdade religiosa professada pela Igreja Católica (nº 1), mas afirma que não se pode obrigar ninguém a crer nem se pode coagir alguém a mudar de opinião, desde que “não desrespeite as justas exigências da ordem pública” (nº 4).

2. Ecumenismo

Outro tema que suscita as apreensões de tradicionalistas é o do Ecumenismo. Este foi entendido pelo Concílio do Vaticano II como movimento de restauração por unidade, entre os cristãos separados, dentro da única Igreja fundada por Cristo e entregue ao pastoreio de Pedro.

“A reintegração da unidade entre todos os cristãos é um dos objetivos principais do Sagrado Sínodo Ecumênico Vaticano II. O Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia muitas comunidades cristãs se apresentam aos homens como sendo a herança verdadeira de Jesus Cristo” (Unitatis Redintegratio nº 1).

“Cremos que o Senhor confiou todos os bens do Novo Testamento unicamente ao colégio apostólico, a cuja frente está Pedro, ao fim de constituir na terra um só Corpo de Cristo, ao qual é necessário que se incorporem plenamente todos os que, de alguma forma, pertencem ao povo de Deus” (ib. nº 3).

Tal noção de ecumenismo é consentânea com o Evangelho, onde o Senhor Jesus pede que seus discípulos sejam um só (Jo 17, 21), constituindo um só rebanho sob um só Pastor (cf. Jo 10, 16). É muito compreensível que a Igreja Católica, em nossos dias, empreenda colóquios teológicos, sessões de estudo, jornadas de orações… para dissipar mal-entendidos existentes entre os cristãos e favorecer a volta dos irmãos separados ao único rebanho entregue a Pedro. O que importa, é evitar o relativismo ou o falso irenismo, ou seja, concessões feitas em detrimento da sã doutrina ou da Moral católica:

“É absolutamente necessário que a doutrina inteira seja lucidamente exposta. Nada é tão alheio ao ecumenismo quanto aquele falso irenismo, pelo qual a pureza da doutrina católica sofre detrimento e seu sentido genuíno é obscurecido” (ib. nº 11).

O autêntico sentido do ecumenismo tem sido deturpado pelo falso irenismo (= pacifismo), de que fala o Concílio. Assim, por exemplo, houve quem afirmasse.

“O ecumenismo não é o esforço da Igreja Católica para trazer de volta os cristãos que dela saíram. Esta era a noção vigente antes do Concílio do Vaticano II… Ecumenismo é o esforço de aproximação entre as várias confissões cristãs em direção à perfeição de Cristo” (Frei Leonardo Martin e Frei Sergio Calixto Valverde, em “O Estado de São Paulo”, 1/-6/88).

Esta noção, que prescinde de referência a Pedro e à Igreja Católica como dispensadora da plenitude dos meios de salvação, é falha e ilusória. Contra ela podem insurgir-se os fiéis católicos em geral; o mesmo, porém, não se diga em relação ao texto conciliar.

Se tem havido abusos na prática do Ecumenismo por parte de representantes católicos, sabemos que abusos non tollit usum, o abuso não extingue o uso.

Cabem aqui duas ulteriores observações:

1) Pedido de perdão. É de notar que em nenhuma das ocasiões em que o Papa pediu perdão ele o fez pelos pecados “da Igreja”, mas sim pelos pecados “dos filhos da Igreja”. Esta é a Esposa sem mancha nem ruga (Ef 5, 26s) e, como tal, não peca; mas também é Mãe… e Mãe de filhos rebeldes, que pecam à revelia de sua Mãe e por cujos erros o Papa pede perdão. É de notar igualmente que o Pontífice não pediu perdão aos homens, mas a Deus; ver as fórmulas em PR 459/2000 pp. 338ss. Pedir perdão não envergonha, mas enobrece, pois, como diz S. Ambrósio, “pecar é comum a todos os homens, mas arrepender-se é próprio dos santos”. Portanto não se diga que a Igreja do Vaticano II condenou a Igreja pré-conciliar.

2) Símbolos de outras crenças religiosas. Quando em suas viagens apostólicas o Papa aceitava ser condecorado com algum símbolo de crença não católica, entenda-se que, assim procedendo, não estava de algum modo abraçando ou apoiando o respectivo Credo, tratava-se de mero cerimonial ou de formalidade protocolar.

3. Igreja e “Estado Católico”

A corrente tradicionalista preconiza o Estado confessional ou o “Estado Católico”. Este foi o ideal de S. Agostinho (+ 430), dos Papas S. Gregório VII (+ 1085), Inocêncio III (+ 1216), Bonifácio VIII (+ 1303). Na Idade Média havia condições para tentar realizá-lo, pois toda a população do Sacro Império Romano, desde o monarca até o mais humilde camponês, professava a fé cristã (católica). Quem não a professasse, só podia ser tido como bruxo, possesso do demônio, enfeitiçado… Por conseguinte, era compreensível o empenho dos Papas em fazer que o Estado professasse ou promovesse a doutrina católica; eram raros os que contestavam teoricamente a veracidade (a verdade não é algo de relativo); mas o racionalismo, o subjetivismo, o relativismo… penetraram as escolas filosóficas, levando muitos cidadãos a se afastar da fé católica. Neste contexto toca à Igreja renovar a sua ação missionária, como tem pregado o Papa João Paulo II, mas não lhe é lícito supor as condições de unanimidade religiosa e aceitação vigentes na Idade Média. Já no começo do século XIV, quando o Papa Bonifácio VIII quis sustentar o ideal de Gregório VII (+ 1083) relativo à Cidade de Deus frente ao rei católico Filipe IV o Belo da França, sofreu vexames e perseguições (embora o rei se dissesse católico!).

Em nossos tempos é preferível a separação da Igreja e do Estado, ficando a Igreja livre para exercer sua ação missionária. O Estado, que conhece a força mobilizadora da religião, tenderá sempre, como fez no passado, a manipular a Igreja segundo seus interesses, desde que isto lhe seja, de algum modo, facultado.

A democracia na sociedade civil é a forma de Governo aceitável aos olhos da fé católica. Isto não quer dizer que deva afetar a estrutura da Igreja. Esta não é nem democracia nem monarquia (no sentido meramente humano desta palavra), mas é sacramento, ou seja, a continuação do Cristo vivo em seu Corpo Místico, de tal modo que as instituições na Igreja comungam, de algum modo, com a índole sacramental de toda a Igreja.

Na Igreja a valorização do colegiado episcopal não implica extinção do primado de Pedro nem é abono de Conciliarismo. Com efeito; os Bispos do mundo inteiro, ainda que unânimes, nada podem decidir sem a participação do Romano Pontífice. Observemos que no Evangelho Jesus confere aos doze Apóstolos (onze mais Pedro) as mesmas faculdades que confiou só a Pedro. Ver Mt 18, 18 e 16, 17-19.

4. Igreja e Modernismo

Os tradicionalistas falam freqüentemente de modernismo na Igreja. Esta palavra é ambígua. Pode significar “o ser moderno, atualizado” (com significação positiva), como também pode significar uma corrente de pensamento que suscitou graves erros no começo do século XX a ponto de provocar a condenação da Parte do Papa Pio X no Decreto Lamentabili (03/07/1907) e na Encíclica Pascendi (08/09/1907).

O modernismo de Alfred Loisy, Georges Tyrell, E. Lê Roy, E. Dimnet, A. Houtin ensinava que Deus não pode ser reconhecido por critérios objetivos racionais, mas apenas pelo sentimento subjetivo do homem; conseqüentemente a verdade religiosa não seria imutável, mas volúvel como o homem é mutável e volúvel; Cristo não teria ensinado um corpo de doutrinas válidas para todos os tempos, mas apenas teria dado início a um movimento religioso a ser adaptado aos diversos tempos da história; o Catolicismo contemporâneo não se poderia conciliar com a verdadeira ciência; para conseguir, deveria tornar-se não dogmático ou transformar-se em protestantismo liberal.

Verdade é que algumas destas idéias, com vocabulário próprio, reaparecem no modo de pensar de teólogos contemporâneos, mas deve-se notar que estes não representam a mente da Igreja como tal. Ao contrário, têm sido sucessivamente chamados à ordem tanto pelo Papa, diretamente em suas Encíclicas, quanto pela Congregação para a Doutrina da Fé; sejam mencionadas, entre outras, as instruções sobre a Teologia da Libertação publicadas respectivamente em 1984 e 1986.

Quem leia atentamente os documentos oficiais da Igreja, verifica que fazem eco à Tradição, procurando com fidelidade adaptá-las às circunstâncias contemporâneas, quando isto se faça necessário.

5. Encontro de Oração em Assis (27/10/86)

Foi mal interpretado o Encontro de representantes dos diversos Credos Religiosos em Assis, a fim de realizarem uma jornada de Oração pela Paz aos 27/10/86. Significaria relativismo ou mesmo injúria ao único Deus.

A propósito observemos, seguindo a trilha mesma oferecida pelo S. Padre João Paulo II em seus discursos:

1) Existe uma unidade fundamental na família decorrente do fato de que

- todos os homens são criados à imagem e semelhança de Deus;

- todos são chamados ao mesmo termo final, ou seja, a usufruir da vida e felicidade do próprio Deus na pátria definitiva;

- todos foram concebidos em Cristo e remidos pelo mesmo sangue do Senhor.

Esta unidade é mais básica e forte do que as diferenças de raça, cultura e até de religião. Ora à Igreja toca a missão de ser “o sacramento da íntima união dos homens entre si e com Deus” (Constituição Lúmen Gentium nº 1). Ela há de ser o fator de superação das diferenças, a fim de constituir o único Povo de Deus, ao qual todos os homens são chamados.

Tal missão da Igreja se desempenha normalmente mediante evangelização, diálogo e oração. Em Assis assumiu nova modalidade: encontraram-se homens de Credos diversos, mas unidos pela mesma religiosidade natural e básica – religiosidade que tem suas expressões espontâneas: a oração como reconhecimento de que “toda boa dádiva vem do alto” (cf. Tg 1,17) e o jejum, símbolo de purificação do coração.- Precisamente para evitar toda aparência de sincretismo religioso, não houve uma fórmula única de oração, mas cada grupo rezou a seu modo em presença dos demais.

Sem dúvida, um tal Encontro de Oração jamais teria sido promovido pela Igreja Católica em épocas passadas; as idéias inspiradoras do mesmo, embora sejam autenticamente católicas, só vieram à tona em nossos dias, catalisadas pela consciência de solidariedade e o anseio de paz que, mais do que nunca, animam os homens de hoje.

6. A nova Liturgia

É impugnada pelos tradicionalistas como eivada de Protestantismo; apresentaria a Eucaristia mais como Ceia do Senhor do que como o sacrifício do Calvário oferecido por Cristo e pela Igreja.

A propósito já foi publicado um artigo em PR 264/1982, pp. 362-377. Há quem se escandaliza de que o altar esteja voltado para os fiéis, a Oração Eucarística seja dita em voz alta, a Comunhão seja distribuída na mão (a quem o queira), as orações sejam proferidas em vernáculo. Baseiam sua repulsa na Tradição… Eis, porém, que seguem uma tradição curta, que tem poucos séculos, retrocedendo para além desses poucos séculos, o estudioso verifica que a Reforma Litúrgica, em muitos casos, não foi senão uma volta à pureza das fontes mais antigas e originais da S. Liturgia. Esta sempre foi celebrada como oração pública, da qual o povo de Deus deve respeitosamente participar.

É certo, porém, que houve (e ainda há) abusos lamentáveis, que concorrem para que alguns desdenhem a nova Liturgia. A Santa Sé tem-se empenhado por coibir tais males, consciente de que abusus non tillit usum. Veja-se a propósito a instrução “Redemptconis Sacramentum” (PR 508/2004, pp. 477ss).

7. Heresias e Tradição

Notemos ainda:

Quem lê os escritos dos tradicionalistas, verifica neles a obsessão pelo inimigos (anticristos), que, com as suas heresias, querem destruir o Catolicismo. – Conseqüentemente procuram nos documentos oficiais da Igreja os textos que proferem condenações de erros e heresias. Ora os Concílios muitas vezes promulgaram cânones que rejeitavam com anatematismos os erros da respectiva época. Todavia a enfatização desses cânones nem sempre leva ao conhecimento exato da verdade de fé pode mesmo levar a outros erros; com efeito, condenar um erro ainda não é formular a autêntica doutrina. Quem julga que a reta fé está contida na proposição contraditória àquela condenada, pode chegar a verdadeiros abusos. Aliás, foi isto que o modernista Alfred Loisy fez, considerando as sentenças condenadas pelo Decreto Lamentabili de Pio X; tomou as contraditórias como verídicas – o que deu origem a outras proposições errôneas.

A própria Lógica ensina: De negatione erroris sequitur quodlibet (da negação do erro, segue-se qualquer proposição). Por exemplo, quem nega que o papel seja branco, não quer dizer automaticamente que o papel é preto (pode ser azul, amarelo, pardo…); quem nega que alguém seja velho, não quer dizer que esse alguém é jovem…; há matizes entre as duas proposições contraditórias. Por conseguinte, os cânones fecham caminhos sem saída, mas não abrem as genuínas vias. Compete ao estudioso que lê tais condenações, recolocar o problema e procurar, a partir das premissas da fé, a solução autêntica para o mesmo. Este trabalho é especialmente delicado quando as condenações da Igreja versam sobre situações momentâneas, sujeitas a evoluir; por exemplo, os conceitos de democracia, liberdade, igualdade tinham conotações nocivas, propensas ao ateísmo, no século XVIII, conotações que não mais existem no século XX; portanto, não se pode dizer que, se a democracia era atéia e condenável em 1789, ela o deva ser em 1980/90; se a união da Igreja e do Estado era desejável em séculos passados, disto não se segue que o seja também no século XX.

Paralelamente observamos: os tradicionalistas esperavam do Concílio do Vaticano II a condenação de todos os erros contemporâneos (protestantismo, cismas orientais, maçonaria, comunismo…) Ora, já que o Concílio não proferiu anátema sobre tais correntes (julgando que as poderia combater de outro modo), concluiu o arcebispo D. Lefebvre que o Concílio lhes fez concessões ou as assimilou – o que é totalmente falso.

8. Sede vacante

O Sr. Homero Johas afirma estar vacante a sede papal em Roma porque os Papas Paulo VI e João Paulo II terão caído em heresia.

Pergunta-se: qual heresia? – Não se pode dizer que algum dos Pontífices citados tenha renegado algum tipo de fé, muito ao contrário, são sim arautos fiéis incansáveis da verdade revelada. O que se aponta, são palavras talvez ambíguas, que as pessoas preconceituosas interpretam em sentido heterodoxo; assim “o culto do homem” proposto por Paulo Vi não substitui o culto de Deus, mas significa renovado pelo pastoral pela salvação do homem. A tendência dos Papas recentes é reconhecer o que há de verídico e bom naqueles que erram, sem negar os respectivos erros, pois sabiamente se diz que em todo erro há um cerne de verdade (não desenvolvido). A tarefa de atacar os erros exclusivamente pode levar os homens a maiores divisões ou mesmo a violência física, ao passo que realçar o que há de positivo no adversário pode aproximar e talvez unir os contendentes.

Entenda-se, pois, que a sé de Pedro não está vacante, mas sim legitimamente ocupada por João Paulo II.

Cita-se o fato de que o Arcebispo Mons. Pedro Martinho Thuc, expulso do Vietnam; declarou em Munique aos 25/02/82 que a sede de Pedro está vacante. – Ora tal declaração não tem o mínimo valor jurídico; a Tradição mesmo ensina que “a primeira sede por nenhuma outra é julgada”. Valorizar no plano jurídico esse pronunciamento do Arcebispo Mons. Thuc equivale a praticar uma modalidade de Conciliarismo, que a corrente de Homero Johas rejeita.

9. Conclusão

O livro do Dr. Homero Johas, acompanhado de um livreto sobre o Agnosticismo, é escrito em estilo passional, recorrendo a farto documentário para provar o que não existe, ou seja, que o Concílio do Vaticano II cedeu à heresia e os Papas que o aprovaram não são Papas. A argumentação é artificial: constrói fantasmas e atira neles, julgando ter eliminado o Adversário.

Estevão Bettencourt O.S.B.

FONTE:
 
http://www.cleofas.com.br/virtual/texto.php?doc=ESTEVAO&id=deb0118