Por John Lennon J. da Silva.
O Papa Bento XVI, na homilia da Santa Missa de Crisma na basílica de São Pedro hoje, aludiu de práxis a “situação tantas vezes dramática da Igreja de hoje” (homilia de 05/04/12), que a década é conhecida pelos católicos de boa percepção. Na homilia o sucessor de Pedro,comentou e refletiu as motivações que cercam a recente revelia de um grupo de sacerdotes europeus que publicou um apelo à desobediência, instruindo com a indicação de algumas formas de desobediência, até mesmo quanto às decisões de cunho dogmático, ou seja, que já foram solidamente definidas pelo Magistério Extraordinário da Igreja.
Questões como o veto do Magistério à ordenação de mulheres que como explica Bento XVI, lembrando o seu predecessor: “o beato Papa João Paulo II declarou de maneira irrevogável que a Igreja não recebeu, da parte do Senhor, qualquer autorização para o fazer”. (Ibidem). Em seguida o pontífice faz uma pergunta crucial para entender as consequências de tais atos, oriundos em muitas partes do mundo por leigos, teólogos e sacerdotes: “será a desobediência um caminho para renovar a Igreja?” Um caminho que anda e desenrola-se na contramão de uma verdadeira unidade na caridade.
E quantos casos, movimentos e homens não se seguiram e se levantaram contra a obediência na caridade e verdade. Se pusermos os nossos olhos no transito histórico que viveu a Igreja no decorrer os séculos, verificaremos, exemplos notáveis de desobediência como nos séculos XII e XIII. Época de insurgência de grupos e indivíduos nascidos no seio da Igreja não propuseram novos misticismos e espiritualidades que pretendiam purificar o mundo e até mesmo as estruturas da Igreja, que para estes jazia nas trevas.
O Valdismo fundado por Pedro Valdo em 1173. Catarismo, nomeados como albigenses (movimento herético que surgiu ao sul da França). Berengário que foi professor de teologia em Tours. Amaury de Bène professor de teologia na universidade de Paris. Pedro de Bruys era padre, foi considerado por São Bernardo e Pedro o Venerável e Aberlado como o mais perigoso herege da época. Arnaldo de Bréscia fundador do arnaldismo movimento doutrinal anti-eclesial. Além do gnosticismo muito presente nestes círculos de heresias. Sem esquecermos dos séculos XIV ao XVI, com os chamados“pré-reformadores” e sua oposição em matéria eclesiológica, escatológica e doutrinaria João Wycliff, João Huss, Jerônimo Savonarola, João de Wessália e João Wesselus, até chegarmos ao célebre Martinho Lutero que se revoltou contra a Igreja em 1517, e posteriormente impulsionou o surgimento de movimentos encabeçados por João Calvino, Ulrico Zuínglio, Thomas Cranmer, Henrique VIII, John Knox.
E nos séculos XVIII ao XIX com movimentos surgidos no interior da Igreja, talvez impulsionados pelo multi pluralismo teológico eclesial, apoiados no liberalismo e nas primeiras sementes de relativismo, racionalismo que foram sendo gestados nos tempos posteriores a Contra Reforma iniciada em no concílio de Trento (1545-1563). Os véteros-católicos liderados por Johann Joseph Ignaz von Döllinger (1799–1890) que oporram-se as decisções do Concilio Vaticabo II. O Jasenismo que têm origem nas ideias morais, dogmaticas e disciplinares do bispo Cornelius Jansen (1585-1638) desenvolveu-se na Holanda, Bélgica e França. O movimento de Sillon fundado em 1899, sob a direção de Marc Sangnier, movimento que chegou a ser aprovado pelo Papa, mas posteriormente foi condenado por mostra-se cunhado por liberalismo eclesial, social e político. O ultramontanismo corrente fortemente orientada pelo pensamento de Joseph de Maistre, Lamennais, Louis Veuillot, teve muito de seus aspectos condenados pela Igreja.
O modernismo teológico, corrente teológica que defendia a “evolução do dogma” e que Deus só poder ser conhecido “pelo sentimento subjetivo do homem”, encontrou grande ascensão no final do século XIX e inicio do século XX, teve entre seus defensores os teólogos Alfred Loisy, George Tyrell, Ernesto Buonaiuti e Albert Houtin. A“Nova Teologia” inaugurada por Henri de Lubac, e auxiliada pelo pensamento de Blondel, Valensin e Teilhard de chardin, que teve seus aspectos condenados por Pio XII na encíclicaHumani Generis, de 1956. E a revelia de Marcel Lefebvrede após o fim do concílio Vaticano II, este que em 1970 fundou a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, que tem uma situação canônica delicada em relação ao Magistério extraordinário da Igreja.
O que todos estes exemplos históricos refletem? Podemos dizer unicamente com maestria: revolta, incompatibilidade e a falta de caridade e fidelidade com o anuncio querigmático da Igreja, nesta mesma direção. O pontífice esclarece fundamentalmente: “Todo o nosso anúncio se deve confrontar com esta palavra de Jesus Cristo: «A minha doutrina não é minha» (Jo 7, 16). Não anunciamos teorias nem opiniões privadas, mas a fé da Igreja da qual somos servidores” (Ibidem). Ou seja, o serviço que presta a Igreja unicamente aos desígnios de Deus; não obedece a “nossa vontade”, nem mesmo, às “nossas doutrinas”. Mas a doutrina e a vontade de Deus que foram estabelecidas no decorrer da história através da Revelação. No caso, destes muitos homens que se levantaram contra o Magistério da Igreja, de formas múltiplas sejam elas teologicamente ou eclesiologicamente. Deixaram eles, ao melhor, abandonaram eles a resposta a unidade que pede Deus ao seu Corpo Místico a Igreja.
Mostra o papa que não é por uma via subjetiva ou individualista ou “um impulso desesperado de fazer qualquer coisa, de transformar a Igreja segundo os nossos desejos e as nossas ideias” que irá ajudar verdadeiramente a renovação da Igreja. Mas “Os Santos indicam-nos como funciona a renovação e como podemos servi-la. E fazem-nos compreender também que Deus não olha para os grandes números nem para os êxitos exteriores, mas consegue as suas vitórias sob o sinal humilde do grão de mostarda”. E não foram exemplos salutares como o de São Francisco de Assis, que fizeram um caminho em contramão, sempre mais edificante e eficaz. Que é a “verdadeira vontade de Deus, à sua palavra sempre válida” (Ibidem).
Falando no mesmo sentido Bento XVI, esclarece: “Não será que, com tais considerações, o que na realidade se defende é o imobilismo, a rigidez da tradição? Não!” (Ibidem). Como o argumento da“rigidez” é utilizado, por propostas teológicas e novas metodologias espiritualistas: “rígida hierarquia eclesial” ou “rígido ritualismo litúrgico”são argumentos vivos no paladar intelectual dos defensores da “Teologia da Libertação”, movimento latino-americano iniciada nos fins da década de 1950 e desenvolvida através das décadas de 1960 e 1970 pelo padre Gustavo Gutiérrez, José Comblin, Leonardo Boff, Jon Sobrino, Juan Luis Segundo, corrente politico-social-teologica de aspiração marxista. Considerada como “heresia singular” pelo papa Bento XVI quando ainda era cardeal.
Obteve condenação a maioria de suas preposições nos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé: Libertatisnuntius (1984) e Libertatis Conscientia (1986). Que entre algumas coisas, limitava o evangelho a uma dimensão social, além de simplificar a pregação do evangelho e o engajamento eclesial ao “imanente”, destroçando em matéria catequética a teologia da “transcendência” católica, além de propor ao homem uma hermenêutica marxista da função da Igreja, no campo da “luta de classes”,da dominação do “homem pelo homem”, da desapropriação da “propriedade privada”,ou seja, dando uma roupagem “cristã” às premissas e terminologias presentes no marxismo-socialismo teórico e cientifico. O que é contraditório a um bom católico como disse o papa Pio XI: “Ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista”.
É verdade que ao longo dos mais de 500 anos, principalmente no ocidente têm a Igreja em seu orbe. Enfrentado desafios tremendos, quanto, a se manter unida pela ação do Espírito Santo, ao anúncio que foi conferido pelo próprio Senhor Jesus e fundamentada na natureza de seu ministério. Não se deixando desviar pela pluralidade de novidades e vontades humanas que têm sido levantadas pelo Inimigo contra a Igreja que se perpetuará até o “fim dos tempos”, como mencionado nos evangelhos. Bento XVI resume o ônus do ministério da Igreja dizendo em sua homilia: “Todo o nosso anúncio se deve confrontar com esta palavra de Jesus Cristo: «A minha doutrina não é minha» (Jo 7, 16)” (Ibidem).
Continuemos então unidos ao Corpo do Senhor, erguido com seu próprio sangue e levado a frente pelos seus apóstolos, os de outrora e os atuais que se encontram unicamente na Igreja Católica. Que o “zelo das almas” (animarum zelus), que segundo o Bento XVI, é “uma expressão fora de moda, que hoje já quase não se usa” (Ibidem), movimente nossos corações e nossa resposta de servos, à vontade e obediência que solicita Deus, para com sua Igreja.