sábado, 30 de julho de 2011

A Inquisição em seu mundo


Por Eduardo Moreira.

Introdução:

A Inquisição é o tema mais usado para atacar a Igreja Católica. Mesmo os protestantes, que em nada ficam atrás da Igreja quando se trata de intolerância naquelas épocas usam esse tema para promover ofensivas contra os católicos, ignorando que também houve inquisições e chacinas protestantes muito mais cruéis que aquelas cometidas pela Santa Igreja.

As pessoas que promovem os ataques também ignoram o contexto social no qual nasceu a Inquisição. Ignoram que esse episódio se deu em uma época onde a Religião Católica era o sumo bem do povo que em geral era embrutecido pela barbárie ainda tão recente na Europa. Nesse texto, abordaremos com base nos livros de João Bernardino Gonzaga (A Inquisição em seu mundo) e Felipe Rinaldo de Aquino (Para entender a Inquisição) a Inquisição como ela tem que ser abordada, isto é, em seu contexto histórico, político e social.

O homem medieval:

A Idade Média foi uma época difícil. A desigualdade social era muito grande, povos recém cristianizados ainda eram embrutecidos pela barbárie, pelos cultos antigos e pelo código de direito vigente, o Código de Direito Germânico. O sagrado e o profano se misturavam, a expectativa de vida da população era baixa, sendo que os pobres viviam no máximo até os 26 anos, os nobres raramente ultrapassavam os 40 anos e as pessoas mais resistentes dificilmente chegariam aos 58 anos.

O homem medieval era um homem bruto. Não existiam os costumes humanistas que temos hoje. As pessoas eram de um modo geral, incultas e sem muito medo da morte e da dor. Para se ter uma idéia, as poucas cirurgias que existiam eram todas feitas sem anestesia, amputavam-se membros com a pessoa sentindo dores terríveis e os riscos de infecções eram grandes. Ferimentos que exigiam esses procedimentos eram comuns pelos mais diversos fatores como pestes, guerras e crimes cometidos por parte de assaltantes.

Guerras eram bastante comuns. Não havia autoridades policiais como hoje. Devido às condições precárias de higiene, pestes surgiam a todo o tempo. A escassez de alimento também assolava a população, sendo que não raro, em cercos de guerra os vivos tiveram que comer cadáveres e raízes de árvores para sobreviverem. Também entre uma e outra guerra surgia o problema dos soldados. Desempregados entre as guerras, estes viviam de saques, o que tornava as estradas e florestas locais tão perigosos que poucas pessoas se aventuravam a andar sozinhas nos mesmos.

A mortalidade infantil era bastante alta. Não se existia a ciência como hoje. O povo recém cristianizado arrastava ainda os costumes de religiões pagãs onde não havia nenhuma piedade. É bom lembrar que a Igreja Católica foi quem trouxe a Inquisição, mas foi quem trouxe também as instituições de caridade, os orfanatos e os hospitais ao mundo (AQUINO, F., Uma História que não é contada, 3ª ed., Editora Cleófas, 2003).

Os homens tinham a divindade como máximo bem, centro de tudo. Nas situações de perigo constante em que viviam o ser humano confiava sua vida, suas dificuldades e doenças à Deus, única esperança da sociedade medieval ainda tão pouco evoluída. Essa é a sociedade teocentrista, onde tudo é para e por Deus, o sumo bem dos homens.

No mundo teocentrista, o crime de maior gravidade é aquele que lesa a majestade divina, ou seja, ninguém podia falar nada contra as coisas sagradas ou contra Deus. Conta-se que certo herege chamado Pedro Valdo fez uma fogueira de cruzes e para assar carne em plena Sexta-Feira da Paixão. O povo enfurecido por causa de tamanha profanação assou Pedro Valdo ao invés da carne naquela fogueira.

Era esse o homem medieval, zeloso pela religião, bruto e acostumado com a dor e a morte. Relatos históricos mostram que os homens dessa época suportavam o que hoje consideramos terríveis torturas e não temiam a esses castigos pelo simples fato de que a só vida já era dura demais. Além de tudo, os homens da Idade Média eram regidos por um rei e esse rei, não raras vezes, se julgava no direito de dizer o que era ou não heresia. Havia pelo princípio germânico a noção de que a Religião do rei era a Religião do povo.

A heresia era punida pelo estado com pena de morte, mesmo sem nenhuma aprovação da Igreja. Por tal é bom separar em uma análise da Inquisição a Igreja do Estado, muito embora isso seja difícil, pois nessa época os poderes religioso e político praticamente se sobrepunham.

Os antecedentes da Inquisição:

A Inquisição como ouvimos falar surgiu em meados do século XIII. Aconteceu que naquela época as investiduras leigas haviam caído. Os reis não tinham mais tanto poder para investir membros do clero, que por sua vez, estava retomando seu poder pleno. Os reis julgavam muitas vezes de forma injusta as heresias, pois não tinham conhecimento teológico para tal.

A teologia, como toda ciência, ainda estava engatinhando. Ela por sua vez tinha muito misticismo, fruto da influência da sociedade, da qual o clero não estava isolado, pois era daí que saiam os servos de Deus. É um erro pensar que a Igreja era uma instituição a parte, intelectualmente acelerada que não acreditava nas convicções que professava, mas as impunha para manter o poder. A Igreja cria tanto quanto a população nas suas convicções e justamente por isso toda ela pregava o que pensava.

Do misticismo medieval nem mesmo os reformadores que se julgam aqueles que retornaram à fé cristã primitiva estavam livres. Lutero, por exemplo, era de uma família de camponeses que cria em duendes e outras criaturas místicas. O misticismo acerca de Lutero e Calvino era tamanho que muitas vezes os dois chegaram a declarar que jamais sentiram o perdão de Deus, mesmo depois de se arrependerem amargamente de seus pecados.

Nos séculos onde se desenvolveu a Inquisição, conforme já dito, tanto a população quanto os reis vinham fazendo julgamentos, não raro injustos, para deter quem eles julgavam hereges.

Como o misticismo era ainda elevado e havia as crenças remanescentes das culturas anteriores, os homens medievais muitas vezes criam em histórias macabras de bruxaria. Com isso as pessoas se iravam contra mulheres que, inocentes ou não, acabavam mortas com ou sem o consentimento da Igreja. Os membros da Igreja eram tidos muitas vezes como benevolentes demais com os hereges.

Por muitas vezes as pessoas invadiam presídios e raptavam presos em julgamento por heresia para executá-los de forma bárbara e cruel. É fato que a Igreja relaxou várias pessoas ao braço secular para que fossem executadas, mas é fato também que a Igreja foi um órgão de muita tolerância no cenário medieval.

Nesse contexto, remanescentes dos maniqueus, crença herética dualística desviada do cristianismo primitivo, emigraram para o sul da França, precisamente para cidade de Albi. É importante falar quem eram os maniqueus. Santo Agostinho mesmo foi maniqueu, mas em decorrência das orações de sua mãe, Santa Mônica, Santo Agostinho se converteu ao catolicismo. Esse santo argumentou bravamente contra os hereges maniqueus que pela ação agostiniana quase foram extintos.

Os maniqueus em Albi ganharam então o nome de albingenses ou cátaros (termo que soberbamente significa puro). Infelizmente, foram a corrupção e os maus exemplos do clero que instigaram as grandes heresias. Esses hereges ao verem a situação deplorável de certos membros do clero, acabavam desejando de forma obsessiva, orgulhosa e doentia a pureza. Geralmente, as grandes heresias consistem em um núcleo de verdade coberto por uma casca de mentira. Quanto mais forte o núcleo de verdade, mais difícil é de se quebrar a heresia.

Os cátaros pregavam que existiam dois deuses. Segundo eles, o deus que se apresentou a Moisés era um deus perverso que havia aprisionado o deus bom na matéria. Cristo seria, pois, um anjo que teria revelado o deus bom pregando um desapego a matéria, pois essa foi criada pelo deus mau. Segundo os cátaros, o deus do bem estava em toda a matéria e deveria ser liberto por uma espécie de esoterismo, um conhecimento oculto das criaturas. Portanto, nada que é matéria poderia ser bom. Essa é a doutrina pessimista da Gnose.

As conseqüências desse pensamento foram desastrosas. Os cátaros pregavam a pobreza, o desapego total a tudo que é matéria. Proibiam o casamento, pois os filhos eram a perpetuação da desgraça proveniente da matéria, que em si é má. Eram fanáticos e infiltraram-se na Igreja de forma oculta, tomando mosteiros, pessoas do alto clero, universidades e vários outros órgãos. Chegaram a criar dioceses com bispos e sacerdotes. Mesmo a nobreza em parte adotou ao catarismo que crescia as escondidas como uma planta parasita que matava a grande árvore, que é a Igreja.

A Inquisição em si:

Em princípio, a Igreja quis converter os cátaros conforme ensinavam Santo Agostinho e São João Crisóstomo, ou seja, só por pregações. Entretanto, esses mesmos santos haviam dito que a tortura pode ser usada quando não há outro recurso.

Como a pregação estava sendo impossibilitada pelos cátaros, que inclusive chegaram a matar pregadores, a Igreja foi forçada a agir por outros meios. Vale lembrar que os historiadores, em geral, são unânimes quando falam sobre o catarismo. As conseqüências da Inquisição foram graves, mas se o catarismo tivesse se estendido suas conseqüências teriam sido muito piores. Nesse contexto dos historiadores está Henry Charles Lea, protestante hostil a Igreja que apesar dos pesares fala que a causa da ortodoxia contra os cátaros não foi senão a causa da sociedade e do bom senso.

Os cátaros tinham rituais próprios, inclusive “missas”. Em alguns rituais os cátaros se envolviam sexualmente e o fruto dessas relações ao completar oito dias era queimado vivo em uma fogueira. As cinzas do recém nascido eram então adoradas pelos cátaros. Para eles, a reencarnação era a forma de purificação. Com sucessivas reencarnações o ser humano se tornaria puro e voltaria a ser a divindade puramente espiritual que fora um dia.

A Inquisição propriamente dita nasceu em Laguedoc, sul da França no ano de 1184. Todavia, a Inquisição no início não era como se tem hoje. Não havia tribunais fixos, mas sim tribunais convocados. Não havia pena de morte ou tortura. Essas só foram instituídas mais tarde sendo primeiro instaurada a tortura e depois a pena de morte, que era executada pelo estado. Essas penas só foram impostas porque as pregações não surtiram efeito.

Entre 1209 e 1244 o Papa Inocêncio III convocou então as cruzadas contra os cáltaros ou cruzada albingense, sob apoio do nobre herói católico e nobre Simão de Montfort. É importante lembrar que entre os cátaros também era comum o suicídio que visava libertar a alma da matéria (que era tida como ruim). Esse suicídio “sagrado” era chamado de Endura.

Nesse contexto nasceu a Inquisição. Sob a suspeita de heresia a Inquisição era convocada para julgar o caso. É importante falar que embora na nossa concepção atual matar um herege seja errado naquela época não era assim. Tanto os católicos como os hereges achavam normal matar alguém que negasse a fé. A pena de morte também não é anti-bíblica, sendo que São Paulo reconhece que o estado tem autoridade de aplicá-la quando necessário (Cf. Rm. 13).

Importante também é dizer que a Inquisição não era um tribunal algoz, cheio de sarcasmo que matava qualquer um por qualquer coisa sem o menor cuidado. A Inquisição organizava e arquivava processos e a pena de morte era o último recurso a ser usado, pois o objetivo desses tribunais não era matar, mas sim converter os hereges.

Apenas os hereges eram pegos pela Inquisição. Judeus, mulçumanos e outros que jamais haviam sido batizados não podiam ser julgados por esses tribunais. Se o foram em algum período, foi fora das normas estabelecidas pela Igreja. Isso ocorreu nas Inquisições Espanhola e Portuguesa, mas essas são chamadas de Inquisições Régias, pois eram muito mais ligadas ao poder da monarquia desses países e não da Igreja.

Devido à dureza do homem medieval, é perfeitamente compreensível que se apliquem a pena de morte e a tortura, tendo em vista que a justiça da época além de ser embrutecida pelo Código de Direito Germânico, ainda não contava com instrumentos de perícia policial para adquirir provas como hoje.

Os recursos empregados para se incriminar alguém então eram os mais absurdos possíveis para a mentalidade de hoje. A tortura (no Direito Romano), a confissão do réu, os testemunhos e por parte do estado também duelos e os ordálios (no Direito Germânico). Nesses dois últimos casos, se o réu sobrevivesse ou se não se infeccionasse por algum tormento intencionalmente provocado, os medievais consideravam isso como um sinal de que Deus estava em defesa dele. Entretanto, essa prática era condenada pela Igreja que lutou de todas as formas para substituir o Código de Direito Germânico pelo Código de Direito Romano, mais racional, mas que utilizava a tortura.

A admissão da tortura pela Igreja também tinha condições. A tortura não podia mutilar membros ou torná-los tão degradados que necessitassem ser amputados, não podia passar de uma hora e deveria ser feita com acompanhamento médico para dizer até onde poderia ir o suplício. Só em último caso aplicava-se a tortura legalmente. O clero não podia torturar ou matar alguém e assim foi durante toda a Inquisição, mas deveria estar com o sangue pronto para ser derramado pela fé.

Mesmo os algozes e inquisidores deveriam ser pessoas de índole e pessoas piedosas. Quando algum algoz ou inquisidor fugia a regra, ele deveria ser punido, muitas vezes pela Inquisição. Quanto à pena de morte, ela passou a ser empregada só mais tardiamente, quando viram que as repressões usadas não surtiam efeito. Era o estado e não a Igreja que executava a pena de morte, que não é anti-bíblica.

O herege que não se retratava pela Inquisição era convidado a se calar. Só quando o herege insistia em seu erro é que ele era morto, mas a pena de morte poderia ser por pura iniciativa do estado ou por pedido da Igreja. Além do mais, a Inquisição é tida na história, ao contrário do que muitos pensam, como um progresso no direito civil.

Para se ter uma idéia, foram relaxados ao braço secular apenas 1,8% dos casos de bruxaria julgados pela Inquisição. Quando o estado agia cerca de 48,2% dos casos de bruxaria foram executados. As cadeias antes eram lugares horríveis, sem ventilação e iluminação, com péssimas condições de higiene. Foi a Inquisição, para exercitar a penitência dos fiéis que criou as chamadas penitenciárias que por sua vez eram lugares bem arejados, iluminados e com certeza muito mais higienizados que as cadeias do estado. Daí vem o nome penitenciária, do nome penitência, pois as penitenciárias eram lugares para exercitar o arrependimento dos infiéis.

Não só a pena de morte era utilizada, peregrinações e outras formas de penitências poderiam ser impostas. Além do mais, não era só a pena de morte pela fogueira que era empregada, havia também outras formas de se matar os hereges.

Vale lembrar que naquela época, a religião do rei era a religião do povo. Depois da queda do Império Romano, como a única instituição organizada que havia no ocidente era a Igreja Católica, ela teve que agir para que os bárbaros não acabassem com tudo. Se a Igreja não tivesse agido, provavelmente as conseqüências teriam sido bem piores. Foi graças à Igreja que toda a cultura helênica e romana foi salva das destruições dos bárbaros.

Os bárbaros passavam saqueando tudo e causavam destruição e dor por onde passavam. Foi a Igreja quem salvou os tesouros das culturas antigas. Foi justamente por ter guardado isso que foi possível que a própria Igreja restaurasse o racionalismo que ganhou o nome de Renascença.

Hoje em dia se fala (com exageros) em milhões de mortes causadas pela Inquisição. Fecham-se os olhos para as 100.000.000 de vítimas do comunismo que agiu por apenas 50 anos. O número de mortos pela Inquisição Espanhola, a mais sangrenta de todas e com grandes participações do estado, certamente não chegou a 5.000 em seus seis séculos de existência.

A Inquisição Anglicana na Inglaterra matou em sua história mais que toda a Inquisição Católica. Entretanto os professores de história e os grandes “intelectuais” carregados com seus pensamentos marxistas acusam apenas a Igreja Católica de carnificina.

E não para por aí. No Brasil, gêmeos e crianças deficientes indígenas são enterradas vivas com freqüência em nome da “cultura”. Basta que um pajé declare que aquela criança não tem alma. Entretanto, para esses “pensadores” as atrocidades em nome da cultura são justificáveis.

Também as atrocidades em nome da liberdade de expressão e opinião são toleradas, exceto quando o pensamento tem fundo religioso cristão-católico. Veja-se que hoje pelo mundo existem vários partidos e grupos declarados nazistas e comunistas, tipos que tanto fizeram vítimas pelo mundo, entretanto, é só mesmo contra a Igreja que tem graça fazer ataques.