quinta-feira, 19 de julho de 2012

O conhecimento na Idade Média: desmistificando preconceitos históricos


Por Jennifer Gama.

O conhecimento na Idade Média não era difuso como o atual, de modo que não é possível querer conceituar a hermenêutica da mesma forma, ou compará-la à sua aplicação atual, uma vez que hoje os meios tecnológicos de comunicação facilitam sobremaneira a difusão do conhecimento, o que não se afigurava possível na época em questão.

Na Idade Média, a produção de livros era um dificultoso e vagaroso processo, pois, tendo em vista que não havia máquinas de foto-cópia, tal como a sociedade contemporânea hoje dispõe, nem mesmo gráficas ou impressoras, os livros eram copiados manualmente, pelos monges, que estudavam sobremaneira nas escolas destinadas a eles, as quais também aceitavam estudantes de fora. No interior dos mosteiros existiam as bibliotecas, às quais tinha acesso a população, uma vez que grande parte dos cientistas da época eram padres e demais religiosos, e muitas escolas e universidades foram construídas nesta Era, o que possibilitou, à maneira da época, a difusão do conhecimento científico para a população medieval.

No Concílio de Vaison, datado de 529, por exemplo, ouviu-se São Cesário de Arles a expor as razões pelas quais era imperiosa a criação de escolas para a população rural. Mais tarde, no Concílio de Latrão, em 1179, Alexandre III emite instruções a todo o clero para que crie escolas em toda a região, a fim de instruir gratuitamente as crianças, inclusive as pobres.

Como instituição de enorme importância na Idade Média, a Igreja Católica foi responsável pela transmissão do conhecimento a muitas camadas da população, como afirmam os historicistas hodiernos, especialistas em Idade Média, entre os quais o P.H.D. Thomas Woods, autor da obra "Como a Igreja Católica construiu a Civilização Ocidental", e Daniel Rops, autor de “Igreja das Catedrais e das Cruzadas”. A Igreja foi responsável, junto à sociedade da época, pela difusão - no sentido medieval do termo - de cultura e conhecimento, emoldurando a realidade social da época, e trazendo os indivíduos das camadas inferiores a um processo de aprendizagem, inclusive de alfabetização. A Igreja alfabetizou e evangelizou, inclusive, muitos povos bárbaros, mediante o ensino da catequese, que não era apenas um simples ensino religioso, de ética e moral que contribuíram enormemente para a solidez moral da sociedade da época e para as futuras gerações, mas também permitia aos indivíduos uma melhor visualização de si mesmos, um olhar para o interior, para a própria essência que possuíam enquanto seres humanos.

A Igreja possibilitou um aumento da auto-estima na sociedade medieval, contribuindo para que os indivíduos volvessem os olhos para a essência de sua própria dignidade, e isso o fez, além da catequese, por meio da alfabetização que promoveu, possibilitando aos membros da sociedade do Medievo uma distinta visão de mundo, calcada no conhecimento científico, que passou a se desenvolver, da criação das Universidades, e do Magistério da Igreja, que sempre se ocupou das mais diversas questões concernentes à humanidade, e dentre estas, com a necessidade de difundir o conhecimento científico, o que fez de maneira imperiosa, considerando-se as possibilidades da época, como acima elencado.

Todos estes fatores contribuíram para um aperfeiçoamento da hermenêutica, que ao longo dos tempos foi sendo transmitida a setores ainda maiores da população, com o advento dos instrumentos tecnológicos que possibilitaram esta difusão de conhecimento. Dados históricos comprovam que a hermenêutica teológica foi um "gérmen" da hermenêutica concebida em eras posteriores, e que muito auxiliou na concepção atual da teoria da interpretação. Isso porque as leis canônicas foram os primeiros ordenamentos jurídicos mundiais, possibilitando a interpretação e que, conforme ensinam os historiadores atuais, em muito contribuíram para nortear uma visão de mundo mais completa, o que é, em suma, o principal objetivo da hermenêutica.

Como dito anteriormente, apesar dos processos de transmissão de conhecimento propiciados pela Igreja na Idade Média - os quais foram sendo aperfeiçoados por ela e por outras instituições, ao longo do tempo -, os conhecimentos da época ainda não permitiam uma difusão de conhecimento nos moldes atuais, mas com certeza a iniciativa católica foi sobremaneira importante para uma fase inicial de compreensão da arte de interpretar.

Fontes:

AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada.
ROPS, Daniel. Igreja das Catedrais e das Cruzadas.
WOODS, Thomas. Como a Igreja Católica construiu a civilização ocidental.
ANDRADE, André Luis Botelho de. A Igreja e o conhecimento. Disponível em: http://www.pantokrator.org.br/blogs/?p=1227 Acesso em: Outubro de 2011.