terça-feira, 23 de agosto de 2011

Por que Deus se fez homem? (II parte)


Por: Eduardo Moreira.


O que é o pecado e como ele deve ser perdoado:

Num primeiro artigo foi exposto o porquê de Deus ter redimido o homem através do sacrifício do Homem-Deus. Nesse artigo abordar-se-á o tema do pecado quanto à sua natureza e como ele deve ser perdoado à luz da misericórdia Divina. Esse artigo parte para um campo apologético, haja vista que há no mundo atual uma mentalidade antropoteísta deveras pueril que diz que se Deus é misericórdia ele deve perdoar os pecados por pura bondade. Partimos, pois, do pressuposto que Deus existe, como demonstrado de forma bastante clara e diria incontestável através das cinco vias de Santo Tomás de Aquino.

Santo Anselmo define que o pecado é nada mais nada menos que não render à Deus o culto que Lhe é devido. Esse culto é uma dívida perpétua do homem, uma expressão de gratidão por sua criação. Em outro artigo tratar-se-á da criação do homem, isto é, do porquê de sua criação e se ele foi sempre desejado nos planos divinos.

Devemos sumariamente saber que Deus é amor e é bondade. O homem deve, pois, render a Deus a gratidão pela criação, ou seja, pelo dom da existência. Logo, homens e anjos não pecariam se rendessem a Deus o que Lhe devem e de forma análoga, o pecado é o ato do homem não render a Deus o que se Lhe deve.

Dessa maneira, homens e anjos têm uma dívida de gratidão para com Deus por ocasião de sua existência contingente. Como a existência humana e angelical uma vez criada existe perpetuamente, homens e anjos devem perpetuamente gratidão a quem lhes deu a existência, que no caso é Deus. Portanto, o culto é a retidão da vontade, à qual devemos à Deus e é só o que Ele requer de nós. Aquele que não rende à Deus essa honra que Lhe é devida O desonra, pois rouba Sua posse e isto é precisa e exatamente o pecado. Além disso, quem não repara esse débito permanece na culpa.

Quem permanece na culpa por ter desonrado à Deus não só deve pagar o valor do roubo da honra, mas também algo mais, uma pena devido ao desprezo oferecido e à má inclinação do homem ao cometer o absurdo de ofender e desonrar a infinita bondade de Deus que é infinito. É conveniente pensar nisso como se fosse alguém que retira a saúde de um trabalhador impedindo-o de trabalhar. Ora, não é justo que esse alguém pague apenas pelo reparo salutar, mas que pague, outrossim, pelo tempo de trabalho ao qual ficou o trabalhador impossibilitado de trabalhar. Dessa forma quem peca deve devolver à Deus a honra que Lhe roubou.

Há, após essa explicação, quem certamente objetará que Deus deve perdoar o pecador por simples misericórdia. Esses são os mesmos que fazem a terrível e danosa confusão entre amor e fraqueza. Dizem eles que quem ama não castiga ou pior, dizem que Deus é injusto se castigar e que Ele sendo capaz de tudo pode perdoar não só por misericórdia infinita como também pela onipotência Divina. Acontece que Santo Anselmo através da Filosofia Escolástica prova que pelo castigo Divino não há injustiça e tampouco clivagem da onipotência de Deus.

Da maneira como exposto no texto até o presente, perdoar consiste em punir. Ora, se não é justo cancelar o pecado sem punição, perdoar o pecado por pura misericórdia é agir contra a justiça e retidão. Logo, se o pecado não é punido há desordem, como quando uma criança que rouba um doce, percebendo a facilidade e a impunidade do ato torna a roubar. Como o Reino de Deus é perfeito, não convém que nenhuma desordem adentre n’Ele e assim é justo e salutar que Deus puna quem O desonra.

Foi mostrado, pois, que o pecado deve ser remido pela punição, mas não ainda não está claro o seguinte item: Por que o pecado deve ser punido para que haja justiça? Ora, se Deus usa Sua onipotência para perdoar um pecado por pura misericórdia e não pela punição, o pecado e a desordem estão mais à vontade que a justiça e a ordem. A conclusão fatal é que o pecador e o não pecador teriam méritos iguais perante o Pai, o que seria o mesmo que dizer que o pecado é igual à justiça. Como pode ser notado, seria absurdo dizer isso de Deus, senão deveras injusto dizer que Deus não difere a justiça da injustiça.

Para melhor entendimento, deve-se considerar que a justiça dos homens está submetida à lei de forma tal que a justiça Divina está submetida também à uma lei. Em maior ou menor magnitude a justiça dos homens se assemelha à justiça de Deus. Logo, se o pecado não é punido, tampouco está submetido à lei de Deus, o que leva a crer que o pecado está mais a vontade que a justiça e isso é ilógico. Dizer que o pecado pode ser perdoado apenas pela misericórdia é dizer automaticamente que o pecado é similar a Deus, que não está submetido à nenhuma lei, pois sendo Deus plenamente perfeito, Ele não é submisso a nada, afinal, só deve haver submissão de algo menos perfeito à algo mais perfeito. Se dizemos assim que o pecado não está submetido à lei de Deus, dizemos que o pecado é tão perfeito quanto Deus, o que é absolutamente intolerável.

Há ainda quem possa lançar alguma objeção dizendo que se Deus nos obriga a perdoar os pecados contra nós cometidos Ele é injusto para conosco, pois nos sobrecarrega com um fardo tão pesado que Ele mesmo não carrega. Acontece, pois, que não cabe ao homem vingar-se dos pecados cometidos contra ele, pois isso caracteriza vingança e ódio, o que é desordem. Cabe, assim, às autoridades, legítimas vingadoras da lei que fazem da lei objeto para manter no mundo a ordem natural, o dever de vingar os crimes. Devemos entender que quando as autoridades cumprem a justiça é o próprio Deus que o quer e que cumpre a lei através do poder que é certamente dado do alto quando cumpre o bem.

Constitui, pois, um abuso intolerável não dar a Deus a honra que se Lhe deve como, outrossim, constitui uma injustiça intolerável que Deus suporte esse abuso intolerável. Se assim não há nada maior ou melhor que Deus, não há nada mais justo que a suprema justiça que mantém a honra de Deus na disposição das causas, o que não é outra coisa senão o próprio Deus. Logo, não há nada mais justo do que Deus conservar sua honra e sua dignidade pelo bem da própria disposição universal.

Não devemos, entretanto, pensar que Deus perde sua honra, pois ou o pecador devolve espontaneamente ou pela força o que retirou de Deus. Se o homem devolve espontaneamente a honra de Deus ele devolve a si próprio a ordem natural do universo na qual constitui a felicidade para a qual o homem foi criado. Se doutra forma o homem não devolve a honra que ao Pai pertence, a infelicidade é o salário do pecado, pois sendo o homem criado para a felicidade não seria jamais infeliz se não tivesse pecado. A própria infelicidade já tira por si só do homem o que pertence a ele para que haja a restituição da honra Divina.

A honra de Deus em si não pode, todavia, ser retirada, pois assim como uma operação matemática não pode alterar em nada o módulo do algarismo infinito, uma ação humana é desprezível ainda que com esforço para retirar algo da honra de Deus que é infinita, imutável e, portanto, incorruptível. O homem não pode com o culto de forma idêntica prover nada na honra Divina, que já é perfeita. Isso não escusa, ao contrário, só agrava a atitude do homem em tentar desonrar a Deus, afinal, não Lhe dando a honra que Lhe é devida, desonra a beleza e a disposição do universo na qual foi criado o homem, mas de modo algum ofusca ou prejudica a honra e a dignidade de Deus. O homem prejudica só a beleza da criatura-universo através da ruptura da disposição natural, o que tange indiretamente em desonrar a Deus que tudo criou.

Não adianta assim o homem tentar fugir da submissão natural, pois está confinado na criação e de sua conduta depende a beleza daquela. Tentar ir contra a disposição natural de Deus é agir dentro do que criou Deus de forma não natural, o que implica dizer que se o homem não honra a Deus pela manutenção da ordem criada, o desonra automaticamente, ainda que em nada ofusque a perfeição Divina que está fora do mundo e que é independente dela. Portanto, o pecado do homem verte-se não contra Deus diretamente, mas contra o próprio homem, cabendo a Deus fazer justiça contra os que prejudicam o todo pelo pecado. É dessa forma que existe o pecado e é assim que o pecado agride a honra divina, não sendo, pois, Sua própria honra que é infinita, mas a honra da criação naturalmente boa e criada por Deus.