Por Eduardo
Moreira.
O homem, o Pecado Original e a Eucaristia
Iniciando
mais um artigo da série “Por que Deus se fez homem?” que é baseada (mas não é
literalmente) na obra de título igual e de autoria de Santo Anselmo de
Cantuária, falaremos sobre o homem, a queda e a Eucaristia.
Graças
aos avanços da ciência, sabemos hoje que provavelmente a narração do Gênesis é
uma metáfora. O Papa Pio XII dá total direito aos católicos de pensarem assim,
muito embora afirme que a posição oficial da Igreja é o criacionismo (Vide
Encíclica Humani Generis). Entretanto, quanto à criação do universo já é
hipótese praticamente consolidada na Cátedra de São Pedro que esse surgiu pelo
Big Bang, conforme propôs o Padre Jesuíta Georges Lemaître ao dar o escopo
dessa Teoria. O que a Igreja não admite (e com razão e obrigatoriedade
científica) é que a criação esteja aqui por acaso, sem uma razão e sem um
propósito. Em termos científicos, é irracional falar em “acaso”. Na verdade, em
ciência clássica não se aceita o acaso como explicação, pelo contrário, a
ciência vive de encontrar causas dos fenômenos observados empiricamente.
Mas
então, como o homem surgiu? Essa pergunta é intrigante, mas é teologicamente
irrelevante. Sabemos que o homem é bom, pois foi criado bom. O argumento moral
da existência de Deus demonstra muito bem que o homem não se compraz com o mal,
a menos que esteja deformado, é claro. Logo, o homem, embora esteja deformado
pelo mal, é intrinsecamente bom.
Em
termos teológicos, o homem foi criado por Deus e tudo o que Deus fez é bom.
Logo, o homem não pode ser mal e o próprio comportamento social apoia essa
hipótese. Tanto é verdade isso que existem em todas as sociedades, códigos de
conduta que, se violados, resultam na pena temporal de um poder judicial
qualquer.
Ora,
se o homem é bom, por que ele faz o mal? São Paulo diz que “não faz o bem que
quer, mas o mal que não quer” (Rm 7, 19). De fato, o homem pode agir mal por
descuido ou por pura maldade. É difícil imaginar, entretanto, que alguém que
age mal não se arrependa mais tarde. Se não se arrepende é porque não pensa no
que fez, pois se pensar certamente se arrependerá.
Podemos
então dizer que o homem é bom, mas está corrompido. E o que corrompeu o homem?
O que corrompe o homem? Por que, mesmo tendo raciocínio, o homem age mal? Aí
entra a Teologia. Para a Teologia, o homem sabe o que é bom e o que é mau, o
que é certo e o que é errado, mas age mal porque, em algum momento da história,
por algum motivo ele se corrompeu. Talvez seja até ingênuo pensar que foi um
casal que comeu o fruto proibido e por isso se corrompeu, mas isso pode ser uma
figura de linguagem ou mesmo algo tido como real pelos judeus. Esses últimos
são muito ligados à questão das impurezas e sendo o Gênesis um livro judeu, é
normal que haja referência à cultura deles. Assim, o judeu do passado (quiçá o
moderno) pode crer de fato que a injestão de um fruto pode provocar a queda do
ser humano. Entretanto, Cristo diz aos cristãos que não é o que entra, mas o
que sai da boca do homem que é impuro (Mt 15, 11), pois a boca fala do que o
coração está cheio (Lc 6, 45) e se o homem fala impurezas, é porque impuro está
seu coração.
Acerca
da queda, o Padre Paulo Ricardo diz que ela gerou o pecado original, que nada
mais é que a vontade do homem de expulsar Deus de sua vida, tal qual fizeram os
construtores da Torre de Babel. Assim sendo, há várias interpretações para esse
pecado. Ele pode ser o orgulho, a vontade do homem de ser igual a Deus ou
simplesmente a tendência do homem de negar a Deus. Diz-nos o Gênesis que Deus
passeava com o homem durante as tardes pelo jardim do Éden. Ora, isso é a visão
beatífica, da qual estamos privados. De fato, ninguém vê a Deus. Podemos dizer
então que o pecado original nos colocou de costas para Deus.
Cristo
não podia estar de costas pra Deus, pois do contrário, não o conheceria.
Podemos dizer então que Cristo não tinha o pecado original, o orgulho, a
vontade de viver sem Deus. Nossa Senhora de forma igual, não poderia ser também
portadora desses males, pois do contrário não teria se colocado tão prontamente
a serviço do Altíssimo.
Tendo
esclarecido, ao menos de forma vaga o que é o pecado original, devemos
esclarecer agora o que é e para que serviu o Sacrifício de Cristo. Ora, esse
sacrifício limpou-nos de nossos pecados que agora podem ser perdoados. Digamos
assim que o pecado, por mais leve que seja, é uma ofensa tão grande que o homem
não pode limpá-la por sacrifício algum. Assim sendo, o homem necessita do
Sacrifício de Cristo, que tem valor infinito. Mas, se Cristo morreu na cruz,
como o homem se beneficia desse Sacrifício?
O
homem se beneficia através do Batismo. Através do Batismo somos mortos para
esse mundo e nossa vida passa a estar escondida em Cristo (Cl 3, 1). Além
disso, o Batismo nos torna parte do Corpo de Cristo e aí está a misericórdia.
Quem não tinha pecado se fez vítima por misericórdia. Cristo se deu na cruz
para nos livrar do pecado e nos permitiu, não por nossos méritos, mas pela
graça, sermos inseridos em seu Corpo. Dessa forma, os méritos infinitos de
Cristo se aplicam a nós e com o Batismo já não temos mais a mancha do Pecado
Original.
Entretanto,
a Teologia diz que todos os sofrimentos do homem são decorrentes do Pecado
Original. Então, por que mesmo sendo batizados nós sofremos? Talvez os fatos
que causam sofrimentos existissem, mesmo sem o pecado original, mas a forma de
encarar esses fatos seria diferente. Santo Agostinho diz que a alma que ama a
Deus não se inquieta, pois Deus é tudo pra
ela. Assim sendo, as coisas da terra não lhe causam mal, pois a maior
riqueza essa alma já tem que é a riqueza de Deus. Isso não responde,
entretanto, a questão inicial desse parágrafo. Na melhor das hipóteses isso nos
dá uma dimensão sobre quanta falta nos faz a visão beatífica que, dando-nos certeza
da existência de Deus, nos dá também a certeza da Salvação e força para encarar
essa vida. São Tomás de Aquino nos responde a questão inicial desse parágrafo
dizendo que, embora o pecado original seja retirado nessa vida, os méritos desse
perdão só serão “pagos” no século futuro. Assim, embora não tenhamos mais a
mancha do Pecado Original, temos que passar por uma provação nessa Terra para
nos mostrarmos dignos do Paraíso Celeste. Há algo ilógico nisso? De forma
alguma, afinal, não recebemos nessa vida glória alguma por nossos feitos. É na
outra vida que depositamos nossa confiança. Aqui, como diz a oração da Salve
Rainha, é um vale de lágrimas, um lugar de provações onde caminhamos confiantes
em Deus e depositamos n'Ele todas as nossas esperanças. É após a morte que o
homem aparecerá glorioso, isto é, como foi criado pra ser.
Mas
não é apenas a Salvação que nos é garantida pela morte de Cristo. Também
devemos nos alegrar dessa morte porque por ela nos tornamos capazes de sermos
filhos de Deus. Não somos filhos de Deus por mérito nosso, mas porque pela
morte de Cristo e pelo Batismo, somos inseridos ao Corpo de Cristo que é filho
de Deus. Assim, pela graça nós, que não somos da mesma substância de Deus, nos
tornamos parte de Deus e por isso somos seus filhos adotivos. "Quão gloriosa
fostes, ó morte de Cristo, que nos tornou filhos de Deus. Quão digno de louvor
és, ó Cristo, que através de sua encarnação nos ensinou do modo mais divino,
como é ser humano."
Alguns
teólogos dizem que Cristo, ao se encarnar, ensinou o homem a viver como tal.
Outros dizem que Cristo se encarnou para acostumar o homem à divindade e para
acostumar Deus à humanidade para que no Corpo Místico de Cristo pudessem
conviver harmoniosamente. Por fim, outros, como Santo Anselmo, dizem que o
Sacrifício de Cristo permitiu ao homem decaído se elevar à dignidade de Deus,
não pelos méritos do homem, mas pela Graça Salvífica.
E
onde entra a Eucaristia? Ora, é muito simples. Pelo pecado nos apartamos da
Graça e pela Penitência nos reaproximamos. Note que aqui não falamos de uma
penitência qualquer, mas da Penitência, isso é, do Sacramento. A Eucaristia é, pois, o
alimento espiritual que aproxima a nossa natureza decaída da natureza agraciada
da divindade. Assim como o corpo precisa de alimento material para se nutrir, a
alma precisa de alimento espiritual para se manter forte. O Espírito está
pronto, mas a carne é fraca (Mt 26, 41b). Então o nosso Espírito, que é a
parcela da Alma onde habita Deus, pode ficar cheio de Deus e pode, ipso facto, viver na Graça mesmo sendo
indigno dela. A
Eucaristia então acostuma o homem à natureza divina, nos faz ainda mais
semelhantes a Deus e nos torna menos indignos do Paraíso.
Pensando bem, a Hóstia Santa é algo que, de certo modo, é muito frágil. Deus, pura Graça e Majestade, se faz tão pequeno e frágil como um pedaço de pão. Aí está a Misericórdia, porque Deus, sabendo de todos os riscos e blasfêmias aos quais estará sujeito na matéria, se faz pequeno na Hóstia Santa. A Eucaristia é, pois, verdadeiro Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Cristo. Só quem já viveu uma vida de Comunhão Diária sabe quão grande é essa graça.
Pensando bem, a Hóstia Santa é algo que, de certo modo, é muito frágil. Deus, pura Graça e Majestade, se faz tão pequeno e frágil como um pedaço de pão. Aí está a Misericórdia, porque Deus, sabendo de todos os riscos e blasfêmias aos quais estará sujeito na matéria, se faz pequeno na Hóstia Santa. A Eucaristia é, pois, verdadeiro Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Cristo. Só quem já viveu uma vida de Comunhão Diária sabe quão grande é essa graça.
Na
Eucaristia podemos receber o próprio Deus, que sendo Misericórdia Infinita,
corre o risco de ser comungado até mesmo por pessoas com os mais terríveis
pecados. Mas Deus assim mesmo se sujeita, se faz pequeno por amor, se entrega
ao homem para que o homem se fortaleça e goze um dia do Paraíso Eterno em Sua
presença.